71 anos depois, Estalinegrado!

Internacional

Ontem celebraram-se 71 anos do fim do cerco nazi de 199 dias a Estalingrado. O fim do cerco foi um importantíssimo momento na 2ª Guerra Mundial, pela libertação da cidade e pelo que isso representou do ponto de vista militar, limitando a expansão nazi, e para a restante libertação que se seguiria. Não existem dados oficiais sobre o total de baixas(a dimensão da batalha não o permite), alguns calculam que a batalha tenha causado a morte ou ferimentos a 2 milhões de soldados e civis, alguns arquivos referem 1.170.000 baixas entre os soviéticos, e cerca de 850.000 baixas entre os nazis alemães e os seus aliados italianos, húngaros, romenos, croatas, espanhóis, entre outros, comandados pelo Marechal alemão Friedrich Paulus.

Ao longo do cerco e da batalha o exército nazi colocou ali uma parte muito importante das suas capacidades materiais e humanas de guerra, despejou milhares de toneladas de bombas sobre a cidade e arredores, destruiu a esquadra naval soviética no Rio Volga e em apenas uma semana cerca de 200 aviões soviéticos. Em 23 de agosto um forte bombardeamento nazi causou um incêndio que em poucas horas se saldou em milhares de vitimas civis, deixando Estalingrado em destroços.

A defesa da cidade pela população e pelo Exército Vermelho, ao longo da batalha, foi feita a todo o custo, “nem um passo atrás”. Muitas vezes inclusive com combates corpo-a-corpo. Nascendo então para a História alguns dos mais memoráveis momentos de heroísmo, resistência, solidariedade… de humanidade, como a resistência de um grupo de soldados soviéticos num edifício de apartamentos que transformaram uma fortaleza impenetrável e onde se mantiveram dois meses em combate sem rendição, na chamada Casa de Pavlov, ou os méritos do franco-atirador Vasily Zaitsev com 242 mortes creditadas entre as quais muitas altas patentes alemãs, ou ainda e justamente os méritos estratégicos de generais soviéticos como Jukov. Hoje Estalingrado chama-se Volgogrado, mas continua a fazer sentido, tanto sentido(parece que cada vez mais), recordar o nome da cidade-herói, da sua população e do seu gigantesco sacrifício, da determinação e coragem do valente e heróico Exército Vermelho, de todas as vitimas da besta nazi e de todos os heróis que pagaram o mais alto preço para defender a Liberdade, o seu país e o seu sistema.

Um filme

Vale a pena fazer uma breve referência ao recente filme russo “Stalingrad”, do realizador Fedor Bondarchk. Um bom filme.

A fotografia do filme é muito boa e a história é interessante(estas coisas não se contam para não estragar). Além destas referências, o filme apresenta também uma perspectiva russa actual sobre a Batalha…não cedendo a algumas tentações a que Hollywood e o cinema de guerra tantas vezes cede. Vale mesmo a pena.

Um poema

Escrevi sobre a água e sobre o tempo,
descrevi o luto e seu metal acobreado,
escrevi sobre o céu e a maçã,
agora escrevo sobre Stalingrado.As noivas já guardam no seu lenço
raios de meu amor enamorado,
meu coração agora está no solo,
na fumaça e na luz de Stalingrado.

Já toquei com as mãos a camisa
do crepúsculo azul e derrotado:
agora toco a própria luz da vida
nascendo com o sol de Stalingrado.

Sinto que o velho-jovem transitório
de pluma, como os cisnes adornado,
despe a roupagem de seu mal notório
por meu grito de amor a Stalingrado.

Ponho minh`alma onde quero.
E não me nutro de papel cansado
temperado de tinta e de tinteiro.
Nasci para cantar a Stalingrado.

Minha voz esteve com teus inúmeros mortos
contra teus próprios muros esmagados,
minha voz soou como o sino e o vento
vendo-te morrer, Stalingrado.

Agora americanos combatentes
brancos e escuros como a romã,
matam no deserto a serpente.
Já não estás a sós, Stalingrado.

França volta às velhas barricadas
com pavilhão de fúria hasteado
sobre as lágrimas recém derramadas.
Já não estás a sós, Stalingrado.

E os grandes leões da Inglaterra
voando sobre o mar de furacões
cravam as garras na parda terra.
Já não estás a sós, Stalingrado.

Hoje abaixo de suas montanhas de escarmento
não estão apenas os teus enterrados:
tremendo está a carne de teus mortos
que tocaram tua frente, Stalingrado.

Teu aço azul de orgulho construído,
seu cabelo de planetas coroados,
teu baluarte de pães divididos,
tua fronteira sombria, Stalingrado.

Tua Pátria de louros e martírios,
o sangue no teu esplendor nevado,
o olhar de Stalin sobre a neve
tingida com teu sangue, Stalingrado.

As condecorações que teus mortos
colocaram sobre o peito transpassado
da terra, o estremecimento
da morte e da vida, Stalingrado.

O sal profundo que de novo traz
ao coração do homem estremecido
com a rama de vermelhos capitães
saídos de teu sangue, Stalingrado.

A esperança que se rompe em seus jardins
como a flor da árvore esperada,
a página gravada de fuzis,
as letras de sua luz, Stalingrado.

A torre que concebes nas alturas,
os altares de pedra ensanguentados,
os defensores de tua idade madura,
os filhos de tua pele, Stalingrado.

As águias ardentes de tuas pedras,
os metais por tua alma amamentados,
os adeus de lágrimas imensas
e as ondas de amor, Stalingrado.

Os ossos dos assassinos feridos,
os invasores de pálpebras fechadas
e os conquistadores fugitivos
atrás de sua centelha, Stalingrado.

Os que humilharam a curva do Arco
e as águas do Sena transpuseram
com o consentimento do escravo,
se detiveram em Stalingrado.Os que a bela Praga sobre lágrimas,
sobre o emudecido e o traído,
passaram pisoteando suas feridas,
morreram em Stalingrado.

Os que na gruta grega esculpiram
a estalactite de cristal quebrado
em seu clássico azul escasso,
agora onde estão, Stalingrado?

Os que a Espanha incediaram e dividiram
deixando o coração encarcerado
dessa mãe de ensinos e guerreiros,
se puseram a seus pés, Stalingrado.

Os que na Holanda, água e tulipas
salpicaram no lodo ensanguentado
e derramaram o açoite e a espada,
agora dormem em Stalingrado.

Os que na branca noite da Noruega
Um uivo de chacal soltaram
incendiando esta gelada primavera,
emudeceram em Stalingrado.

Horror a ti pelo que o ar traz,
o que se há de cantar e o cantado,
horror por tuas mães e teus filhos
e teus netos, Stalingrado.

Horror ao combatente da névoa,
horror ao comissário e ao soldado,
horror ao céu por traz da tua lua,
horror ao sol de Stalingrado.

Guarda-me um pedaço de violenta espuma,
guarda-me um rifle, guarda-me um arado,
e que o coloquem em minha sepultura
com uma espiga vermelha de teu estado,

para que saibam, se há alguma dúvida,
que morri amando-te e que me tens amado,
e se não estive combatendo em tua cintura
deixo em tua honra esta granada escura,
este canto de amor a Stalingrado.

Pablo Neruda, Novo Canto de Amor a Estalingrado

* Autor Convidado
Filipe Guerra