Do lenço para o ranho ao papel para limpar o cu

Nacional

Quando era miúdo, os meus vizinhos – uma família numerosa, mesmo numerosa daquelas a quem a associação do mano Ribeiro e Castro não passava cartão – tinham a retrete deles fora de casa. Atravessavam a viela estreita, passavam pela minha casa, depois pela cozinha deles – também fora de portas – pelo buraco onde guardavam os cães – ou o que sobrava deles – e só depois, no quintal, estava a retrete, a poucos metros da estrumeira que o senhorio teimava em manter para dar de comer às couves. Era um cubículo estilo militar em tempo de guerra.

O papel higiénico que usavam para limpar o cu era, invariavelmente, escolhido entre o papel castanho dos sacos do pão ou os jornais antigos. No entanto, hoje, no JN, Jorge Fiel opta por dar-nos papel fresco para a merda de sempre.

Parem de chorar baba e ranho” é o título com que pretende dar um ralhete aos trabalhadores do sector dos transportes, começando o artigo com uma bonita metáfora sobre o choro dos bebés, enchendo o peito em forma de especialista. Esquece-se o autor que os bebés choram porque não têm outra forma de expressão de emoções enquanto são bebés. Até a história do Pedro e do Lobo entra ao barulho, enfiada a martelo num texto sobre choro e mama de alguém que, quase invariavelmente, derrama lágrimas de sangue nas páginas do jornal contra Lisboa e em defesa do norte, que confunde com o Porto – coitadinhos de nós, tripeiros e nortenhos – sem perceber duas coisas: que as grandes assimetrias do país não são entre Porto e Lisboa mas sim entre o litoral e o interior, e que as assimetrias que existem entre Porto e Lisboa são fruto da incapacidade dos agentes políticos e económicos que o seu jornal leva ao colo.

Pegar em Carlos Silva, da UGT, como exemplo de sindicalista é um bocadinho como pegar num cão e esperar que ele mie: caro Jorge, não vai miar. Recordemos o agradecimento sentido de Carlos Silva a Ricardo Salgado, do BES, após ter pedido ao patrão para ser líder da agremiação.

Dizer ainda que em 11 anos de Metro do Porto não houve uma única greve, é mentira, uma vez que os trabalhadores do Metro aderiram às Greves Gerais e só não teve mais impacto porque foram os próprios chefes a substituir trabalhadores em greve. Chama-se a isto precariedade e medo de perder o emprego, para além de uma Comissão de Trabalhadores onde consta até um administrador. É mais ou menos como ter o Mosquito na direcção do JN, está a perceber? Sim, Jorge, eu também li a reportagem do Público, onde foi necessário acrescentar o impacto das Greves Gerais no Metro, depois de publicada a notícia.

Os trabalhadores têm esta mania de lutar por aquilo a que têm direito. Não são regalias. Regalias são carros pagos pela empresa, ajudas de custo e um ou outro lugar conseguido às custas de baixar as calças ao patrão. Os resultados negativos das empresas de transportes são fruto da má gestão de pessoas que até viram os seus salários aumentados em 2010, da Carris à CP.

Os grandes males do país estão nas greves e não em doentes que percorrem meio país para serem socorridos, do nosso dinheiro que entra continua a entrar no poço sem fundo que é o BPN, dos impostos que pagamos para salvar o Banif, no caminho para a privatização da educação depois de privatizada a saúde, na precariedade e numa economia baseada em baixos salários. O Jorge pode bem passear pela sua redacção e ver quantos precários tem a trabalhar, quantos estagiários explora e depois encher o peito a dizer que tudo está bem na Controlinveste porque ninguém fez greve. Ora foda-se, mais a lógica.

E, Jorge, o credor vigilante sou eu, que pago impostos como em tempos feudais para poder sobreviver enquanto o BPN, o Banif, o BPP, a Mota Engil, entre outras empresas, sugam tudo o que resta do Estado.

Hoje mesmo, o JN traz uma chamada de primeira página onde realça que o Norte é a região mais pobre da Península Ibérica. Pobre de espírito, pobre porque historicamente é a direita que manda a norte e porque quando chegam Lisboa, os eleitos por esses círculos esquecem-se rapidamente de quem deviam representar.

Mas estamos a falar de Jorge Fiel, subdirector de um jornal que se arroga a voz do Norte mas que, em 2012, não achou relevante noticiar a vinda de Jerónimo de Sousa ao Porto para o comício de aniversário do PCP.