Houve quem tivesse votado contra o relatório. Alguém deu por isso?

Nacional

Um senhor que desconheço, de nome João Vieira Pereira, escreve no expresso diário um texto em que direcciona à Comissão de Inquérito do BES/GES um rol de queixas de ataques, usando, como é tão habitual no rebanho de comentadores que nos (en)forma, da táctica “meter tudo no mesmo saco”.

Não podendo, por não terem sido dadas as bases, continuar o bluff em torno do BE, decidiu João Vieira Pereira atacar todos por igual.

Escreve JVP: “O papel de treinador de bancada é sempre o mais confortável. E esse papel foi assumido na perfeição pelos deputados que se sentaram na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).”

Ocultou, por certo voluntariamente – não posso crer que uma pessoa que seja suficientemente informada sobre a Comissão de Inquérito para se dar ao luxo de sobre os seus resultados tecer considerações não saiba do resultado das votações – o facto de o PCP ter votado contra o relatório.

Diz adiante JVP: “Enquanto os deputados andavam na sua vidinha em 2013 e 2014 havia quem lutasse diariamente para descobrir o que se passava no Grupo Espírito Santo. E acreditem que essa luta era tudo menos fácil. Ricardo Salgado rimava com poder. Em todos os sectores. Principalmente no político. A CPI esquece isso.”

Ocultou, por certo deliberadamente, que já em Junho de 2013, o PCP chamava a atenção do Governo e do Banco de Portugal para a necessidade de avaliar a idoneidade de Ricardo Salgado, nomeadamente através de uma intervenção do Deputado do PCP Honório Novo na Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República. Ocultou igualmente que o PCP fez questão de referir por várias vezes a promiscuidade entre GES/BES e poder político e que, ao longo das 95 propostas de alteração que apresentou, o PCP levantou essa questão vezes sem conta, como se pode ver aqui:

“c478 A (Nova) O Grupo foi sistematicamente louvado como um exemplo, bem como alguns dos seus mais elevados dirigentes, e objetivamente lançado com o apoio activo do Estado, por compromissos de governos suportados tanto por PS, como por PSD, com ou sem a presença do CDS. Apesar de a Constituição da República Portuguesa atribuir ao Estado a tarefa de combater a formação de formas de organização monopolista, no caso do BES e do GES, o Estado foi uma das fontes de alimentação do negócio, tanto no ramo financeiro, como no não financeiro, através de Parcerias Público-Privadas, assessorias e consultadorias várias, bem como através de participação em privatizações. A dimensão do Grupo, integrando ambas as suas componentes, ameaçava por si só a estabilidade do sistema financeiro, bem como a intervenção do Estado em áreas fundamentais da economia, de que aliás os próprios governos se foram demitindo.”

ou em:

“c476 A (Nova) A privatização da Tranquilidade e do Banco Espírito Santo, em 1990 e 1991, respetivamente, durante o mandato de Cavaco Silva como Primeiro-Ministro e Mário Soares com Presidente da República, iniciou um processo de acumulação, em favorecimento claro de uma família específica a quem foi vendido um Banco por 750 milhões de euros, em parte financiado pela própria Caixa Geral de Depósitos e apoiado pela entrada do Crédit Agricole, com intervenção assumida do então Presidente da República Mário Soares. Essa entrega do Banco a um Grupo privado resultou na acumulação de riqueza, na concentração do poder económico e na distribuição de mais de 4 mil milhões de dividendos entre 1991 e 2010 (a preços de 31 de Dezembro de 2013), dividendos esses cujo usufruto foi exclusivamente privado.

Não sei bem com que propósito, eventualmente o de servir os mesmos interesses que os das empresas que parece acusar apenas para dizer que passam entre as gotas da chuva, JVP afirma ainda, atribuíndo essa responsabilidade a todos os deputados:

“Já o disse e digo-o outra vez” [note-se a sobranceria do grande inquisidor] “:A CPI esquece que, além do Banco de Portugal, da CMVM e do ISP, o primeiro garante de que tudo vai bem nos bancos e nas empresas cotadas são as empresas de auditoria. Essas passam entre os pingos da chuva. E saem até bem vistas nesta triste história.”

É verdade que o intuito de JVP é de difícil intuição, mas lá que parece estar a esquecer-se de um “último garante” de que tudo vai bem nos bancos, lá isso parece. É que JVP esquece, talvez por favor, que o “garante último da estabilidade do Sistema Financeiro” é o Ministério das Finanças e o Governo. No seu triste texto, a pretexto das auditoras externas, JVP iliba o Governo. Mas vejamos o que oculta mais JVP sobre empresas de auditoria que, segundo ele, os deputados deixaram passar entre as gotas da chuva. Mas que deputados?

Sobre isso, seguem apenas duas das propostas de alteração apresentadas pelos deputados do PCP. Sim, apesar do incómodo certo que isso provoca a JVP, há deputados comunistas no parlamento português.

“c491 A (Nova) As entidades de auditoria externa funcionaram, como tal, como elementos de camuflagem, por opção, negligência ou incapacidade, da real situação do Grupo Banco Espírito Santo e como câmaras de branqueamento de irregularidades, chancelando e omitindo situações graves que trariam custos pesados para os clientes e para o Estado. Destaca-se, por exemplo, a incapacidade de obter um testemunho convergente quanto à mensagem dirigida pela PWC à KPMG aquando da mudança de auditor do BES em 2002, bem como a afirmação do BdP sobre o desconhecimento do teor do relatório (draft) da PWC apresentado à comissão executiva do BES em 2001, aliás também omitido à CPI até ao momento em que a comunicação social divulga a sua existência.

c491 B (Nova) As entidades de auditoria externa funcionam também como um reservatório de quadros para a banca, sendo que o âmbito de recrutamento para determinadas tarefas corresponde em muitos casos ao seu perímetro. A comissão detetou inúmeros casos de circularização de quadros entre as empresas de auditoria externa e os bancos, sendo que a promiscuidade entre auditor externo e banca vai além da relação entre fornecedor e cliente e ganha contornos de fusão de interesses, com o natural conflito que daí decorre.”

Em último caso, pode sempre confrontar-se o texto de JVP com as declarações do deputado do PCP na Comissão. Felizmente, os comentadores podem apagar o PCP das suas liturgias e elogios ao regime, mas não podem apagar os arquivos da ARTv.