Comecemos pelas boas notícias! Jorge Coelho aparenta boa saúde e ainda afecta o estilo que lhe é característico: algo espontâneo, um pouco inflamado, muito trauliteiro e olimpicamente bronco. É bom saber! Porque Jorge Coelho esteve tanto tempo longe das luzes da ribalta que começámos a nos perguntar se não lhe teria acontecido alguma coisa… O que nunca esperaria do desaparecido dirigente do PS que quatro vezes foi ministro, é que usasse a homenagem aos antigos presidentes Federação da Área Urbana de Lisboa do PS para cometer um atentado contra a História e a inteligência de todos nós. Discursando sobre o 25 de Abril, Jorge Coelho declarou, perante a incendiada ovação de José Seguro, Ferro Rodrigues, João Soares, João Proença, Edite Estrela e Joaquim Raposo, que (pasmem-se!) «Foi o Partido Socialista que liderou a luta pela liberdade antes do 25 de Abril». Sim, ele disse mesmo isto. E mais! Foi o PS que, depois de nos dar o 25 de Abril «evitou que Portugal caísse noutro regime totalitário», lembrando ainda, jocoso, uma entrevista de Álvaro Cunhal em que este dizia que não queria uma «democracia burguesa». «Não há democracias burguesas!» concluiu Coelho.
Longos corredores em trevas percorremos (…) é assim que começa uma canção que o meu pai, um ex-preso político do PCP, costumava cantar. Por mais que Jorge Coelho berre, não poderá falsificar a história: o PS não liderou ninguém para liberdade nenhuma. Os seus militantes não tiveram as unhas arrancadas nem as pernas inchadas de sangue durante a estátua. Os seus dirigentes não morreram no campo de concentração do Tarrafal. E a sua organização não suportou nem conheceu ditadura nenhuma.
Quando, em 1926, o fascismo abateu o seu peso monstruoso sob o nosso povo, o antigo PS mal estrebuchou e dissolveu-se. Só o PCP resistiu, pagando com o sangue dos seus mártires a nossa liberdade e só alguém intelectualmente desonesto ou patologicamente mentiroso poderia pretender o contrário. E se esta democracia não fosse a dos burgueses, talvez pudesse desmentir Jorge Coelho com a mesmo divulgação que as câmaras ofereceram ao seu embuste. Mas como esta democracia é (principalmente) dos burgueses, o direito de imprensa é (principalmente) dos donos das televisões e dos jornais, embora ninguém os tenha eleito para ser donos de nada nem, muito menos, para divulgar a adulteração da História.
Comemoramos este ano o 40º aniversário do 25 de Abril de 1974, em que o MFA, em estreita aliança com os trabalhadores, devolveu ao povo a liberdade e a dignidade, pondo termo à longa noite de 48 anos de fascismo, soletrados a gritos de tortura e contados a horas de miséria. Jorge Coelho esquece-se que sem a luta de 48 anos do PCP nada disto teria sido possível. O que Jorge Coelho também se esqueceu de dizer é que sem o apelo do PCP à insubmissão e ao levantamento popular, não teríamos provavelmente tido uma Revolução. Mas Jorge Coelho tem boas razões para pretender adulterar a História da Revolução de Abril, porque Jorge Coelho dedicou a sua vida à destruição dos seus frutos. Com efeito, na sua longa peroração sobre os méritos de Abril, nem uma menção às conquistas sociais, nenhuma palavra sobre as transformações económicas. Quem, não conhecendo a nossa História, escutasse Jorge Coelho diria que em 74 apenas tivemos um golpe. Mas Jorge Coelho mente também por omissão e esta foi uma Revolução que promoveu avanços progressistas sem paralelo na História do nosso povo e consagrou na Constituição da República Portuguesa conquistas, direitos, liberdade e garantias que importa lembrar a Jorge Coelho:
· Liberdade sindical, de reunião, de associação, de expressão e de imprensa. Direito à greve.
· Eleições livres e livre formação de partidos políticos
· Autarquias democraticamente eleitas e geridas
· Fim da guerra colonial e independência das colónias
· Salário mínimo, subsídios de férias e natal
· Subsídio de desemprego, pensões, reformas e protecção social para todos
· Direito ao voto aos 18 anos,
· Igualdade de direitos entre mulheres e homens
· Direito à saúde, educação e habitação
A canção que o meu pai costumava cantar, o Hino de Caxias, faz parte de uma História que não pertence ao Partido Socialista. Não eram suas as costas rasgadas à chicotada, nem os gritos enrouquecidos nem as mortes de rosto erguido. Muito menos lhe pertence o direito de deturpar esta memória, que é património de todos os democratas honestos e, principalmente, do Partido Comunista Português.
Jorge Coelho e companhia não percorreram em trevas longos corredores. Tirando, é claro, o longo trevoso corredor entre o Governo do PS e a Mota-Engil. Um corredor em que Jorge Coelho, na capacidade de ministro, atribuiu mais de mil milhões de euros em concessões rodoviárias a consórcios liderados pela Mota-Engil. Um negócio que os próprios tribunais consideraram lesivo para o Estado e igualmente nefasto para o povo, sendo que cada trabalhador português já deu mais de 170 euros à Mota- Engil. Para compensar o longo corredor de breu e trafulhice que Jorge Coelho percorreu, a Mota-Engil fez dele o seu presidente executivo.
Não admira que Jorge Coelho queira falsificar a História do 25 de Abril. Um dia que o povo o decida refazer, esperam-no outro tipo de negros corredores.