Mas, afinal, o que se passa na Palestina?

Internacional

Hoje, Israel decidiu que a Rahaf, de seis anos, e 18 outras crianças palestinianas, já não voltam mais à escola. Acabaram mortas debaixo de bombardeamentos em Gaza. Israel não é um país. É uma máquina de matar. A Palestina não tem força aérea, nem marinha de guerra, nem exército. Trata-se de um genocídio. Aqui fica uma breve explicação do que é o inferno em que vivem os palestinianos debaixo da ocupação de Israel.

O que espoletou a revolta palestiniana?

Não é que faltassem razões para que os palestinianos se revoltassem mas houve algumas que fizeram estoirar este barril de pólvora. Uma delas tem a ver com o facto de Israel não permitir a abertura de mesas eleitorais em Jerusalém, capital da Palestina. Sem eleições desde 2006, a Autoridade Palestina, depois de negociações entre as principais forças políticas, preparava-se para realizar o processo eleitoral a 22 de maio mas teve que adiar depois da decisão de Israel. Em visita ao Vaticano, o ministro das Relações Exteriores do Estado da Palestina, Riyad al Maliki, recordou que nas eleições anteriores as secções de voto também foram abertas em Jerusalém Oriental, porque “há um acordo assinado em Washington, em 1995, e nesse acordo Israel aceitou a realização de eleições palestinianas em todos os territórios palestinianos, incluindo Jerusalém”.

Outras das razões para o aumento da tensão prende-se com a vontade de colonos israelitas de ocuparem o bairro árabe de Sheikh Jarrah, em Jerusalém. De acordo com grupos de direitos humanos, o objectivo de expulsar os árabes de Jerusalém é o de preservar uma maioria judaica. Os palestinianos temem que, como em 1948, sejam expulsos das suas casas e do seu país. No episódio militar que ficou conhecido nesse ano como Nakba, 711 mil palestinianos foram obrigados a abandonar as suas habitações, logo ocupadas por judeus europeus. Os palestinianos tiveram de fugir para o Líbano, Síria, Egipto e Jordânia num drama humanitário que ainda hoje persiste sem que o regresso esteja sequer previsto.

Em plena celebração do Ramadão, judeus ultra-ortodoxos encetaram manifestações e provocaram a população árabe gerando permanentes conflitos. A invasão da mesquita Al Aqsa, em Jerusalém, quando os palestinianos muçulmanos oravam, pelas forças israelitas com disparos e lançamento de granadas foi a gota de água. E o facto é que ao primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, interessava distrair os eleitores israelitas do seu fracasso político em constituir governo. Acusado de corrupção, Netanyahu perderá a imunidade se deixar de ser o chefe do executivo.

Israel é a devolução de um país que tinha sido roubado aos judeus?

Não. É a ocupação de um território contra quem lá vive e vivia a pretexto de uma religião. A maioria dos judeus não são árabes, são sobretudo europeus. No fim do século XIX, surgiu em força o sionismo, uma corrente política de judeus europeus que defendia o direito à autodeterminação do povo judeu, considerado o povo escolhido por Deus no judaísmo, e à existência de um Estado nacional judaico independente e soberano. Em debate, esteve a escolha de que território poderia albergar o futuro Estado judeu. Para além da Palestina, o Chipre, a Patagónia, a Argentina e algumas colónias europeias em África estiveram em cima da mesa.

Então qual é o papel da Europa na construção de Israel?

Durante a Primeira Guerra Mundial, os árabes revoltaram-se contra o Império Otomano e o Reino Unido passou a controlar a região depois da derrota do antigo império. Nos anos 30, houve várias revoltas contra o mandato britânico na Palestina. A política de total abertura à entrada de judeus europeus na Palestina e de desprezo pelos árabes locais era a antecipação de uma estratégia de substituição da população árabe por europeus. A identificação das autoridades britânicas com o sionismo era absoluta.

Com a derrota do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial, a perseguição e extermínio de judeus na Europa em vez de culminar com a sua reintegração e inclusão foi pretexto para a legitimação do êxodo massivo para a Palestina sem qualquer respeito pelo povo palestiniano e o seu território. Em 1947, rebenta a guerra na Palestina e em 1948 dá-se a expulsão de 711 mil palestinianos das suas casas, onde vivem agora europeus. É então que se dá a criação do Estado de Israel.

Sendo uma região estratégica e importante em recursos, a aparição dos Estados Unidos como principal potência no cenário geopolítico veio dar cobertura ao papel do Estado de Israel no Médio Oriente. De 1948 para a frente, Israel expandiu o seu território através de sucessivas ocupações. Actualmente, a Autoridade Palestiniana controla uma parte diminuta do que era a Palestina mas sob constante assédio de Israel.

Mas isso significa que os judeus são os culpados?

Não. Antes do êxodo dos judeus europeus para a Palestina, já havia judeus árabes. A população original é árabe e entre a comunidade árabe há judeus, muçulmanos, cristãos e, naturalmente, ateus. Há várias cidades palestinianas com uma grande percentagem de cristãos. Muitos dos históricos dirigentes das organizações palestinianas são cristãos. Portanto, não se trata de uma guerra religiosa. Trata-se da resistência e luta de um povo pela sua terra e até pela sua existência.

Por outro lado, há muitos movimentos judaicos que contestam a ocupação da Palestina e participam em manifestações em todo o mundo. Mesmo em Israel, nem todos concordam com as políticas dos sucessivos governos em relação aos palestinianos. 

E por que não há um Estado da Palestina?

A questão é que há um Estado da Palestina e é também aqui que se vê que as potências ocidentais não são equidistantes quando dizem que querem a paz entre as partes. A independência da Palestina foi declarada a 15 de novembro de 1988 pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP). No entanto, a maioria das áreas reivindicadas pelos palestinianos estão ocupadas por Israel desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Após a Segunda Guerra Mundial, em 1947, as Nações Unidas adotaram um Plano para Partilha da Palestina, recomendando a criação de dois estados árabe e judeu independentes, ambos com capital em Jerusalém.

Em 27 de setembro de 2013, 137 dos 193 países-membros das Nações Unidas reconheceram a existência do Estado da Palestina. Ou seja, a maioria do planeta. Adivinha quem é que não fez esse reconhecimento. Precisamente aqueles que precisam de Israel como ponta de lança do imperialismo no Médio Oriente. Estados Unidos, Canadá, a maioria dos países da União Europeia, incluindo Portugal, Austrália e Japão são os países compõem grande parte deste grupo.

E há árabes em Israel?

Sim. Apesar do desastre que significou a expulsão dos palestinianos em 1948, houve ainda quem conseguisse resistir e ficar nos territórios ocupados. É precisamente essa população árabe que se está a levantar contra Israel, de forma quase inédita em muitos anos. Os árabes são, em geral, os que têm piores condições de vida e de trabalho e são alvo de racismo na sua própria terra.

Por que se diz que Israel promove um apartheid contra os palestinianos?

O apartheid não é uma novidade nem foi exclusivo da África do Sul. A política segregacionista dos Estados Unidos contra a população negra também era apartheid. A segregação racial na África do Sul teve início ainda no período colonial, mas o apartheid foi introduzido como política oficial após as eleições gerais de 1948. A legislação dividia os habitantes em grupos raciais e criaram os bantustões, zona autónomas onde vivia a população negra com relativo auto-governo. Ou seja, não muito diferente do que acontece dentro das fronteiras reconhecidas da Palestina pela maioria da comunidade internacional. Também Israel promove leis que discriminam os árabes. Na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, a maioria dos que ali vivem são árabes e têm governo próprio, e Israel construiu um muro com 700 quilómetros para impedir a entrada da população palestiniana. Diz-se que a Faixa de Gaza é o maior campo de concentração do planeta. Está cercada e foi bombardeada várias vezes nas duas últimas décadas. As condições de vida são terríveis.

Israel está a defender-se do Hamas?

Não, a resistência palestiniana não tem mais do que rockets artesanais e está a lutar contra a bárbara ocupação. Nelson Mandela, líder sul-africano na luta contra o apartheid, disse que a África do Sul nunca seria inteiramente livre sem a liberdade dos palestinianos. Todos os povos ao longo da história recorreram à luta contra a opressão. Esta é mais uma delas. Trata-se de defenderem a sua terra e a sua auto-determinação. Israel tem um dos exércitos mais poderosos do planeta. Aviões de última geração, mísseis teleguiados, sistemas de detecção e anulação de rockets, tanques de guerra e bombas nucleares. 

Em 2016, Bernie Sanders acusou Israel de ter assassinado 10 mil crianças nos bombardeamentos sobre Gaza dois anos antes. Israel respondeu que era mentira: “só” 532 crianças é que tinham morrido nos ataques israelitas. Estes números mostram a dimensão da barbárie e a indiferença das autoridades israelitas e das principais potências para com a sistemática violação dos direitos humanos na Palestina. 

Mas a barbárie não se concentra em Gaza. O levantamento do povo palestiniano no Estado de Israel está a levar a vários linchamentos de árabes por parte de israelitas, as forças israelitas invadem casas e espancam famílias. Este é o retrato de um Estado racista e colonial.

O Hamas usa a população como escudo?

Em primeiro lugar, é importante referir que a resistência palestiniana não é composta somente pelo Hamas. Há forças de esquerda como a Frente Popular de Libertação da Palestina e a Frente Democrática de Libertação da Palestina, entre outras. Até a Fatah tem o seu próprio braço armado. É normal que assim seja numa luta contra a ocupação. Ninguém em 1941 questionaria a resistência armada contra o nazismo. Ninguém questionou a resistência armada do povo negro sul-africano conduzida por Nelson Mandela contra o apartheid. Só quem está do lado do opressor. Trata-se do legítimo direito dos povos à sua liberdade e soberania.

Nenhuma força palestiniana usa a população como escudo porque estas forças são compostas precisamente pela população. Os palestinianos apoiam em peso a resistência à violenta ocupação de Israel. A ideia do escudo humano foi uma mentira inserida na comunicação social por Israel. Os mesmos que recorrem ao terror contra a população palestiniana querem que achemos que os terroristas são aqueles que lutam pela sua liberdade.

16 Comments

  • Venilde ramalho

    23 Maio, 2021 às

    Um excelente texto do que se passa na realidade na Palestina…a história repete—se o que é lamentável pois os palestinianos não querem senão não sair da sua terra mas como os israelitas têm mais poder bélico a força pende para aquele lado..
    É tempo de as hostes acalmarem pois a vida é curta.
    Obrigada pela partilha

  • Jorge Nunes

    19 Maio, 2021 às

    Uma boa cobertura da atual destruição e massacre, aqui: https://www.presstv.com/Live

    Balanço do dia 18: 219 mortos palestinianos (61 crianças incluídas).

    Em relação à imprensa portuguesa, não encontro nada. O massacre não existe.

  • António

    17 Maio, 2021 às

    Gostava de ler um artigo tão elucidativo como ešte a justifica a invázom do teritorio mocambicano por grupos terroristas armádos a decapitarem crianças e mulheres e homens inocentes

  • João Mouro

    17 Maio, 2021 às

    Não existem dúvidas a Palestina é um País ocupado, por decisão dos países com maior poder no mundo, por isso de forma ilegal Israel ocupa um espaço que não lhe pertence, e a forma correcta de resolver o problema é Israel abandonar o espaço que ocupa ilegalmente.

  • Porfírio José de Almeida

    17 Maio, 2021 às

    Está tudo dito e só denuncio a hipocrisia da comunicação que deveria informar e insistir na informação da situação em vez de , secamente, informar a ocorrência dos actos que se praticam,

  • Jorge Sousa

    16 Maio, 2021 às

    Pena q nao ha intéressé em ajudar este povo, que nao quer nada mais nada menos q o seu lar as suis raízes.

  • Jorge Nunes

    16 Maio, 2021 às

    Um excelente texto.
    Não esquecer também o outro massacre na Colômbia e mais uma promessa de luta do povo colombiano contra o títere «Duque».
    Estamos a assistir a duas catástrofes humanitárias em dois protetorados do império norte-americano, império esse que é representado por um velho demente que diz ser liberal e democrata. Neste momento, Biden assina tudo aquilo que o Pentágono põe à sua frente. No próprio dia da sua aclamação como presidente, não o deixaram descansar. A seguir ao discurso, os militares conduziram-no à sala oval para assinar cerca de vinte tratados.
    Um abraço e continuação de bom trabalho

  • Jose Lopes

    16 Maio, 2021 às

    Uma explicação minuciosa e elucidativa.
    Os governos portugueses, fazem parte dos grupos de terroristas internacionais, que alinham no genocídio do povo Palestiniano.
    O do costa com muletas é “só” mais um deles.

  • Manuel F. Fernandes

    14 Maio, 2021 às

    Colonialismo e genocídio do Povo Palestino pelos sionistas, com a cumplicidade dos Norte-Americanos, Europeus, Sauditas e Emires vizinhos. Todos ao Martim Moniz para manifestar o nosso repúdio pelos crimes sionistas e a nossa solidariedade com o Povo mártir da Palestina.

  • João Leao

    14 Maio, 2021 às

    Como é possível que ninguém faça nada para acabar isto?

  • João Pedro Jesus

    14 Maio, 2021 às

    Excelente.

  • António Serzedelo

    14 Maio, 2021 às

    É horrivel o que o lider de Israel está a fazer aos Palestianos por causa das eleições em Israel. Deve haver uma censura internacional. Crimes contra as crianças sao inadmissiveis.

  • Juca

    14 Maio, 2021 às

    👏🏾👏🏾👏🏾

  • Lara Fontes

    14 Maio, 2021 às

    Em 1948 todos os Estados Árabes declaram guerra Israel. Falta aqui o outro lado da História.

  • Rui Manuel Alegria da Silva

    14 Maio, 2021 às

    Cumpram-.se as Leis e as determinações da ONU só isso.

  • Orlando Gaspar Guerreiro de Almeida

    13 Maio, 2021 às

    Um excelente texto

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