A falta de memória pode explicar em parte. O propósito propagandístico de querer aligeirar o caso, tratando-o como uma «pequena falha» de um «democrata sem papas na língua» também. Mas falta de memória e vontade de branquear tendências e tiques fascistas é coisa que não medra neste espaço.
Do leque de acções abusivas de Rui Rio enquanto presidente da Câmara Municipal do Porto, vem-nos à memória a retirada atrevida de cartazes de propaganda partidária e sindical. Claro que, na altura, após a devida queixa do PCP, a CNE agiu em conformidade passando o devido e humilhante raspanete a Rui Rio, obrigando-o à reposição dos cartazes. Refrearam-se dessa forma os ímpetos mandões de quem nunca deu mostras de saber conviver bem com quem se lhe opusesse, mas a praxis e a postura foram sempre na mesmíssima toada.
A questão era, porém, mais profunda do que um mero exercício abusivo de poder. É do foro intelectual, de identificação ideológica, de concepção de ideias retrógradas, eivadas de branqueamento histórico. Foi o próprio Rui Rio que disse ainda recentemente, sem se engasgar, e até com sorrisinho de escárnio, que “em Portugal nunca houve fascismo”. Não porque não seja capaz de reconhecer uma evidência, mas porque Rui Rio passa muito bem, convive muitíssimo bem com esse passado e essa forma de regime, como se viu e se vê.
Rui Rio junta as suas velhas ideias ao desespero das sondagens. Por mais trapalhadas que Costa faça, não há maneira do PSD disparar e de se afirmar como alternativa de poder. E como em face das suas próprias divisões internas e cambalhotas tribais não parece haver alternativa per si, o PSD precisa de muletas. Com o CDS a nadar entre os 1 e os 2%, resta o embalo na moda que anda para aí e que não faz mal a ninguém: acordos e entendimentos com gente que quer mandar pretos para a terra deles, que quer confinar ciganos, fazer justiça com castrações químicas e físicas, acabar com a IVG, mudar «à medida e a preceito» a tipificação do crime de ódio, a militarização do sistema, a presidencialização do regime, manter boas relações com Salvini, Orban, o partido VOX, etc.
Rui Rio está-se nas tintas para o lado simbólico do acordo e da normalização da coisa. Para ele, e por arrasto para todo o PSD, continua a ser «um bocadinho exagerado classificar o Chega de fascista ou extrema-direita». Por isso, como alguém escrevia por aí, agora além do seu próprio partido, os fascistas têm outra forma de chegar ao poder em Portugal: é votando no PSD. Neste PSD de Rui Rio.