Morreu o Carlinhos

Nacional

O Robin Williams morreu, fica o meu respeito e admiração pelo actor que será sempre e por alguns filmes marcantes para muita gente. O “Clube dos Poetas Mortos”, por exemplo, também me fez pensar em muita coisa. Andava ali nos 14 anos, e recomendo a quem por lá ande agora que não deixe de o ver. É quando ele faz mais sentido. Mas sobre o Robin Williams muitas linhas se escreverão pelo mundo fora.

Quero falar-vos do Carlinhos, o actor Carlos Gonçalves que também morreu sem nos avisar. Trabalhei com ele em Almada, n’”A Mãe” de Bertolt Brecht, encenada pelo Joaquim Benite. Este viria a ser o seu último espectáculo – estreei-me profissionalmente no último espectáculo em que entrou o Henrique Viana, começo a ficar preocupado.

Na cena da manifestação – em que estávamos cerca de 10 minutos no mesmo sítio a simular uma marcha – era o Carlinhos que estava à frente, com a bandeira vermelha na mão – tenho a certeza que o Carlinhos ainda gostava mais de fazer essa cena por ser ele a levar a bandeira que também era a dele. No final da cena tinha de cair ao chão, porque o matavam. O Carlinhos estava doente e desgastado e por isso o Joaquim dizia-lhe muitas vezes que nos ensaios não tinha de estar sempre a atirar-se ao chão, ele dizia “está bem, meu querido, está bem”. Atirava-se na mesma.

Para além disso, o Carlinhos ouvia já muito mal, mas o texto saí-lhe sempre no tempo certo e com os tempos certos. O Carlinhos adoeceu cedo demais, por azar, mas também porque uma ou outra vez terá achado que o seu corpo aguentava mais do que na realidade era possível. O Carlinhos deixou de trabalhar tanto e muita gente não teve o prazer de o ver. O Carlinhos estava sempre a rir e disponível para ajudar os colegas mais novos. Raramente os seus conselhos iam além do “é muito fácil, é só acreditares no que estás a dizer e dizer”. E no fundo é mesmo isso. Observá-lo com atenção durante um ensaio, valia por muitas horas de escola. Não estava a trabalhar, estava a brincar. Com as palavras, com os gestos, com os colegas e com as emoções. E aqueles olhos sempre a brilharem.

O Carlinhos foi um dos maiores actores portugueses. Todos os dias cumprimentava toda a gente com dois beijinhos, um abraço e o tal sorriso rasgado, como se não nos víssemos há anos.

* Autor Convidado
André Albuquerque