Nomeação de Hillary: uma vitória das mulheres?

Internacional

Os resultados de ontem das eleições primárias do Partido Democrata deram uma folga mais confortável a Hillary Rodham Clinton como a candidata nomeada por este partido (na Convenção no fim de Julho) às eleições Presidenciais em Novembro. Bernie Sanders porém ainda não desistiu da corrida, até porque existem ainda existem ainda 712 superdelegados cujo voto não é mandatado pelas eleições primárias e caucuses. Mas Hillary (e boa parte da comunicação social concorda) assume-se como a presumível candidata, declarando já o marco histórico de ser a primeira mulher candidata à presidência dos EUA. Sendo claramente uma “primeira vez”, cabe pensar se tal significa, como Hillary proclama, uma vitória das mulheres e para as suas lutas.

Antes de mais é bom de assinalar que sendo esta nomeação um marco para o cargo de presidente dos EUA, no contexto global não é particularmente notável. Há uma longa lista de mulheres que têm assumido o cargo de presidente ou primeiro-ministro, não só na Europa (na Alemanha, Dinamarca, Eslovénia, Lituânia, Noruega, Polónia, só para mencionar as casos actuais), como na América Latina (e.g., Argentina, Brasil, Chile, Jamaica, incluindo agora antigas líderes), África (Libéria, Senegal, São Tomé e Principe, República Centro-Africana), Ásia (Paquistão, Índia, Bangladesh, Sri Lanka, Tailândia, Coreia do Sul). A lista é mais extensa, mas estes exemplos bastam.Pensando em casos concretos, torna-se também claro que ter uma mulher como líder não tem necessariamente sido seguido por avanços sociais, políticos e económicos para a generalidade das mulheres desses países, ou uma alteração de estilo de liderança. Algumas das líderes mais marcantes, foram protagonistas de políticas conservadoras e beligerantes. A eleição de uma mulher só será uma grande vitória para as mulheres, se a mulher eleita efectivamente agir em prol das mulheres.

Embora Clinton tenha dado voz ao discurso dos direitos das mulheres, as suas acções não corroboram esse discurso. Por exemplo, nos anos 80, quando Bill era ainda governador do Arkansas, Hillary a primeira mulher nomeada para o Conselho de Administração da Walmart, uma das maiores empresas do mundo e um importante empregador nos EUA e estrangeiro, uma percentagem predominante dos quais são mulheres (57%). Mas durante essa participação (de 1986 to 1992, ou seja até à co-presidência Clinton), Hillary nada fez ou opinou sobre a desigualdade salarial das cerca de 800 mil trabalhadores da Walmart que ganham cerca de um dólar menos por hora que os homens, por trabalho equivalente. A Walmart veria a ser alvo da maior acção judicial colectiva por desigualdade de género (representando cerca de 1.6 milhões de actuais e antigas mulheres trabalhadoras), caso que apenas foi abandonado porque a Walmart foi considerada demasiado grande para processar.

Se Hillary conseguir romper a barreira, quebrar o tecto de vidro, é também interessante reflectir, porque agora, porque ela. Uma possível resposta é que Hillary aprendeu a fazer o jogo de quem decide o futuro político dos EUA, incluindo o sistema militar-industrial, o sector financeiro, os importantes grupos de pressão e contribuintes financeiros, como seja os pró-Israelita. Diana Johnstone, autora do livro «Hillary Clinton, Rainha do Caos» (Ed. Página a Página) identifica um momento em que Hillary transita das questões políticas que a ocuparam no início da carreira política (defesa das crianças, sistema de saúde) para a maior atenção dada à política externa dos EUA. Enquanto primeira dama, Clinton participou na conferência internacional da ONU sobre mulheres realizada em 1995. No seu discurso, muito elogiado na altura, convergiu o tema da mulher com o dos direitos humanos e depois, significativamente, com a política de guerra e intervenção humanitária. Começou então a desenvolver a sua política de poder inteligente: o uso legítimo de todos os meios necessários para intervir na política interna de outros países, ao abrigo da excepcionalidade dos EUA, único legítimo líder mundial e garante da liberdade, democracia, e direitos humanos no mundo. Uma combinação de força militar, propaganda, pressão económica e trapaça diplomática. Receita usada na Yugoslávia (enquanto primeira dama), no Iraque (enquanto Senadora) ou na Líbia (enquanto Secretária de Estado). Cabe perguntar: as mulheres ficaram melhores após a sua guerra na Líbia e o assassinato de Kadahfi? Ou ficarão melhores na Síria caso Assad seja derrubado? Nestes dois países árabes, as mulheres gozam de maiores liberdades e direitos que nos países árabes aliados dos EUA, como a Arábia Saudita.

Termino explicando a imagem acima: Hillary juntamente com dois membros do Pussy Riot, o grupo que faz uso da provocação e cujos membros foram presos após terem profanado uma igreja na Rússia. A sua prisão foi usada, incluindo por Clinton, como elemento na campanha anti-Rússia, procurando demonstrar que Putin é um ditador. Cabe dizer que elas foram presas no seguimento de um processo instaurado pela igreja, e que foi Putin quem lhes permitiu sair do país. Hillary elencou as Pussy Riot entre as mulheres que lhe inspiraram, e orgulhosamente deixou-se fotografar com elas. As Pussy Riot?! O seu tipo de exibicionismo nem é arte, nem é acção política, nem é exemplar do feminismo ou da defesa da liberdade.

* Autor Convidado
André Levy