O ABC da desinformação: Alienação, Boçalidade e Conspiração

Internacional

Tom Pettitt, um académico da Universidade do Sul da Dinamarca, resume a dificuldade de controlar a informação na era das comunicações digitais com a teoria do Parênteses de Gutenberg, que defende que após uma excepção impressa, com a duração de quinhentos anos, no modo tradicional de partilha da informação, estamos a regredir para uma comunicação de natureza oral, narrativa, fluída e em rede, mais semelhante às histórias contadas à volta da fogueira que ao livro impresso.

Com efeito, à medida que o capitalismo recua o mundo à sua fase civilizacional bárbara, a informação parece também regredir em vários sentidos. Sendo que o principal inimigo do jornalismo hodierno é o processo de concentração dos meios de comunicação social nas mãos de meia dúzia de capitalistas, prejudicando simultaneamente a liberdade relativa do jornalista e a qualidade do seu trabalho, outros fenómenos anti-democráticos e igualmente prejudiciais à nossa compreensão do mundo têm merecido menos atenção da esquerda.

Falo das teorias da conspiração. Com a expansão da internet e das redes socais, as teorias da conspiração massificaram-se, libertaram-se das margens do imaginário sub-cultural e conseguiram mesmo, nalguns casos, abandonar a etiqueta pejurativa que o seu nome carrega. Num cenário em que notícias antigas são republicadas como se fossem actuais e em que a multiplicação das fontes de informação torna impossível uma rápida aferição da fidedignidade, é compreensível que encontremos numa notícia como “EUA fizeram o atentado em Miami” a justificação cabal da nossa própria mundividência e ideologia.

O sucesso das teorias da conspiração explica-se com uma receita simples de três ingredientes: dá sentido e coesão lógica a um mundo cada vez mais desorganizado, confuso e caótico; Usa explicações extraordinariamente simples em que A faz B para conseguir C encaixotando a realidade num mapa axiológico dividido entre bons e maus e onde todo o mal tem origem nos “maus”; Finalmente, presta a evidência cabal de quaisquer narrativas ideológicas: do socialismo ao neoliberalismo passando pelo fascismo.

E um passeio pelas redes sociais é prolífico em teorias da conspiração: Saddam não morreu, Gaddafi está vivo, o 911 foi feito pela CIA, o 911 foi organizado pelos judeus, Foley está vivo, Sandy hook foi uma falsa bandeira, Boston foi uma operação de propaganda, etc. Em anos recentes, alguns meios de comunicação social de linha editorial marxista e uma ou outra revista de análise comunista têm feito eco de algumas destas teorias. Porém, a esquerda coerente e os revolucionários comprometidos com a transformação do mundo estão obrigados a um cuidado excepcional.

Cuidado não quer dizer que algumas das actuais teorias da conspiração não se venham a provar verdadeiras (também Watergate e o incêndio do Reichstag foram em seu tempo teorias da conspiração) nem tampouco significa que não devamos questionar a realidade, examinando todas as possibilidades. Cuidado significa que não podemos assumir que uma teoria é verdadeira só porque faz sentido. Perante acontecimentos obviamente nebulosos ou mesmo inexplicáveis, a única atitude marxista e sincera é assumir que ainda não sabemos. A ampla maioria das teorias da conspiração em voga não foi alvo de um processo exaustivo de falsificação científica nem reúne provas indisputáveis. Algumas baseiam-se em invenções espúrias, outras têm um fundamento de verdade. Umas apoiam-se em provas anedóticas, outras reúnem o contributo científico de especialistas. É um campo em que a confusão reina, pelo que todas as teorias históricas que não se ergam sobre critérios científicos objectivos e provas claras podem ser consideradas e analisadas. Desde que não aceitemos nenhuma como certa.

Mais grave ainda, parte substantiva das teorias da conspiração que circulam na internet provém de sites de extrema-direita. O infowars, eventualmente o site conspirativo mais importante à escala global, é a origem pútrida de várias teorias da conspiração travestidas de esquerda e republicadas em órgãos de confiança. O infowars pertence a Alex Jones, auto-intitulado paleo-conservador, um feroz anti-comunista e porta-voz da extrema-direita anarco-capitalista. No site do Infowars ficamos a saber que Foley está vivo e que o governo dos EUA quer efeminizar os homens (pelo que podemos comprar complementos de testosterona “Super Male Vitality Inforwars”).

Mas o problema não são só as fontes, é o princípio: as teorias da conspiração alimentam-se da premissa de que nada é aleatório caricaturando o poder como um leviatã que controla em absoluto a realidade, o demiurgo de todos os acontecimentos e de um poder maciço sem intervalos nem espaços ocos. Esta lógica tem que ser denunciada por anti-dialéctica e derrotista: o poder não controla tudo, muita acção é-lhe oposta com êxito e ainda mais é a que lhe escapa. Mais ainda, o capitalismo não controla a realidade unicamente pelos fios da marioneta: muitas vezes serve-se estrategicamente da acção espontânea dos seus próprios inimigos combatendo-a, apoiando-a tácita ou abertamente ou ainda ignorando-a. Por fim, quando observada no seu corpo global, as teorias da conspiração contribuem para uma explicação idealista do mundo em que os segredos, a decepção e a conspiração são o motor da história. Aos marxistas cabe saber corrigir que é a luta de classes que faz a história avançar.