O Espaço Chegan

Nacional

Não tivesse havido aquela votação expressiva num partido de extrema-direita – que alguns inocentemente continuam a tomar por «zanga com o sistema» -, os vários «senadores» da direita alegadamente tradicional e moderada, não teriam saído da solidão das suas cavernas para recuperar, de cara destapada, certas bandeiras reaccionárias já superadas pelo progressismo (possível) das mentalidades e das democracias políticas nas últimas décadas. Esses transportadores de antiguidades ideológicas, resquícios mais mortos que vivos da decrepitude de outros tempos, sentiram que o «ambiente» que, entretanto, se instalara no país acaba por ser, pois, bastante propício, acolhedor, bafiento o suficiente para a sua mensagem prosperar sem grande alarido. Sabendo que, pelo menos, 20% da população será chão fértil às sementes das suas velharias mentais, lá procuram lançar à terra lavrada os preceitos castradores da liberdade e das liberdades conquistadas (a ferros), sob pretexto de uma moralidade peçonhenta que se esqueceu de morrer. Fazendo-o nas barbas de Abril, à laia de provocaçãozinha subtil, vêm mostrar de forma evidente o quão perigosos são os tempos em que vivemos.

A questão é que temos assistido e vamos continuar a assistir a várias movimentações «das direitas» tidas por «responsáveis» e «social-democratas» num espaço comum, de «livre-trânsito», muito bem definido. As partes jamais assumirão coligações expressas por decoro, ou quaisquer alianças no papel por «etiqueta», mas mover-se-ão em território reaccionário sem fronteiras. No interior desse mapa, onde não há barreiras ideológicas, onde não há exigência de quaisquer «passaportes», onde pontifica o desígnio comum da perfilha do mesmo sistema económico e financeiro, onde os berros dos sonoros vêm ao encontro desabrido daquilo que os silenciosos até aqui só pensavam e pensam – e agora vão também falando e escrevendo –, faz deste autêntico «Espaço Chegan» uma realidade à qual urge estar hoje e nos próximos tempos especialmente atento.

O lançamento do livro que procura impor um determinado modelo de família e que recupera, sob artificiosos eufemismos, a «consagração» da mulher como sujeito domesticado, «do lar», de novo submissa às vontades comezinhas da dominação patriarcal, é uma lança da soldadesca medieval e bruta contra anos e anos de progresso, emancipação e liberdade. É um vómito de um lazarento ideológico, infectado por bactérias oriundas das profundezas glaciares da Antárctida, mas agora «descongeladas» e expostas à luz do dia por essa espécie de «aquecimento eleitoral». Todavia, livram-se eles que lhes aconteça aquilo que aconteceu ao Evangelho Segundo Jesus Cristo, porque hoje, e por enquanto, os tridentinos só escrevem, e ainda não mandam. Por mais hediondo que seja o postulado nessa sua peça de literatura santo-oficial, ninguém negará o seu direito à existência e à publicidade, ainda que possa ser encarado com a mesma naturalidade com que temos de aceitar que o ser humano também tem necessidade, de vez em quando, de produzir matéria fecal.

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