O fio de Ariadne – o papel da mulher no sucesso das lutas

Nacional

A 10 de Maio de 2008, no Encontro do PCP sobre os Direitos das Mulheres, dava-se nota de um exemplo de luta de trabalhadoras de uma fábrica cuja administração, ainda antes de qualquer alteração legislativa, pretendia impor o alargamento do horário de trabalho. «Em Outubro de 2007, a Nordigal (1) implantou as 12 horas de trabalho diário a oito preparadoras de cozinha, contrariamente ao previsto no Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) e na lei. Ora estas trabalhadoras passariam assim de uma escala de 6/2 [dias por semana] para uma de 3/3. […] Ora, pondo este horário em prática, as trabalhadoras tiveram a noção de que no dia-a-dia este horário não era funcional pois até punha em causa a sua vida familiar. As trabalhadoras quiseram o seu horário de volta, ou seja, a escala 6/2 com 8 horas diárias. […] Não querendo a Nordigal satisfazer os interesses das trabalhadoras, a 2 de Janeiro de 2008 esta dá ordem ilegítima de transferência a três trabalhadoras para que estas passem para as escolas da DREC (2) (de salientar que estas trabalhadoras têm cerca de 12 anos de serviço na maternidade). Perante isto, o Sindicato, a 4 de Janeiro de 2008, entra com uma acção cautelar em tribunal para suspender a transferência, que é apreciada a 17 de Janeiro. O Tribunal de Trabalho deu razão às trabalhadoras, ordenando a sua apresentação ao serviço.» (3)

E que não haja margem para dúvidas: é com a luta que todos os trabalhadores vão derrotar o Governo e a Troika

As alterações de PSD e CDS, iniciadas com PS, revelam a intenção  de intensificar a exploração, diminuindo as remunerações dos trabalhadores, aumentando o horário de trabalho, numa cedência clara a um dos mais antigos anseios do capital.

Apenas assim se explica a necessidade, já apelidada de infanticídio codicista, do Governo, apenas cinco anos volvidos sobre a aprovação do Regime Geral do Contrato em Funções Públicas, da Lei 12-A/2008, entre outras, de aprovar uma Lei Geral do Contrato de Trabalho em Funções Públicas que avança no grau de exploração da classe trabalhadora, facilitam despedimentos, pretendem enfraquecer a contratação colectiva e os direitos conquistados, recuando inaceitavelmente a modelos retrógrados, característicos dos séculos XVIII e XIX, como o aumento das 35 para as 40 horas de trabalho, como a redução de salários e pensões, o alargamento do Complemento Extraordinário de Solidariedade a todos os rendimentos a partir dos mil euros, o aumento das contribuições para a ADSE, a alteração da fórmula de cálculo das pensões, tantas medidas que se vieram juntar a outras tantas que visam desconfigurar o Estado e destruir as suas funções sociais.

Textos de 1893, em que Clara Zetkin retratava a situação das mulheres trabalhadoras, descrevem situações que ainda hoje encontramos na realidade laboral em Portugal e que evidenciam a depreciação dos direitos das mulheres nos locais de trabalho. E se o diagnóstico se assemelha, hoje confirma-se a justeza e o acerto do caminho então apontado.

«Tendo em conta que milhares de mulheres trabalham na indústria, a sua integração no movimento sindical é para este uma necessidade vital. […] Mas se a sindicalização das mulheres apresenta um carácter de urgente necessidade não é apenas na óptica de uma luta vitoriosa dos sindicatos no plano económico. É igualmente imperativa porque é necessário melhorar os salários de miséria das trabalhadoras […].

«É por isso imperativa a integração das trabalhadoras nos sindicatos, tanto no seu próprio interesse como no interesse dos trabalhadores.» (4)

A necessidade da mobilização das mulheres em torno das lutas contra as medidas na Administração Pública é urgente e necessária. Por um lado, pelas alterações que terão incidências específicas nas suas vidas, pelo que significa a ameaça de um acervo significativo de direitos conquistados pela contratação colectiva, por outro lado, porque a sua luta é essencial no combate à ofensiva generalizada contra os direitos de quem trabalha.

Vivemos num Portugal onde elas, as mulheres trabalhadoras, muito embora representem o maior número de licenciados, são aquelas que têm emprego menos qualificado. Onde elas, as mulheres trabalhadoras, recebem cerca de 30% menos de salário do que os homens para trabalho igual (e quem não conhece o caso das operárias corticeiras que recebiam, em média, cerca de 100 euros a menos e que, lado a lado com os operários, alcançaram, em 2008, o direito à igualdade salarial?) (5) . Onde elas, as mulheres trabalhadoras, ainda trabalham em média mais três horas por dia nas tarefas domésticas e nos cuidados com a família por força da inexistência de uma rede pública de equipamentos sociais de apoio à família, de qualidade e a preços acessíveis, e da desigual distribuição de tarefas entre mulheres e homens. Onde elas, as mulheres trabalhadoras, por todo o país vêem os seus direitos de maternidade violados pelas entidades patronais, que permanecem impunes face à insuficiência da acção inspectiva da Autoridade para as Condições do Trabalho e à inoperância de uma Comissão para a Igualdade para o Trabalho e o Emprego, depauperada de meios técnicos e humanos. Onde elas, as mulheres trabalhadoras, continuam a ser contratadas com vínculo precário e a representar o maior número daqueles que trabalham a tempo parcial.

E é neste cenário que o Governo agrava a legislação laboral na administração pública e, de uma penada, pretende agravar, ainda mais, as condições de todos os trabalhadores no activo mas também nos aposentados onde, mais uma vez, as mulheres são em maior número.

O aumento do horário de trabalho e articulação da vida profissional e familiar

8 horas para trabalhar, 8 para descansar e 8 para o lazer. É longa a luta dos trabalhadores pela jornada de trabalho de 8 horas. E longa é a luta das mulheres nesta matéria.

Não é verdade o que o Governo afirma sobre a melhoria da articulação da vida profissional com a vida familiar. Bem pelo contrário – o alargamento do horário de trabalho até um limite de 8 horas por dia e 40 por semana prejudica a compatibilização da vida profissional com a vida familiar, social e política das mulheres.

Estas normas visam reduzir as remunerações, com o não pagamento das horas extraordinárias e do trabalho suplementar, e intensificar a exploração dos trabalhadores. O PS instituiu o banco de horas, a adaptabilidade individual e grupal, os horários concentrados, modalidades que podem e devem ser combatidas pelas trabalhadoras nos seus locais de trabalho, na defesa da jornada das 8 horas diárias e da sua progressiva redução semanal, como propõe o PCP, para as 35 horas, respeitando os trabalhadores na sua dignidade e no direito ao descanso e à participação cívica e política.

A contratação colectiva e os direitos das mulheres

É na contratação colectiva que as mulheres encontram um acervo significativo de direitos conquistados: igualdade salarial, direitos de maternidade e paternidade, garantia de não discriminação, férias, feriados e faltas, complementos remuneratórios, entre outros. E é na defesa intransigente destas conquistas que as mulheres trabalhadoras encontrarão o caminho para a defesa dos seus direitos. E na defesa contra a intromissão e boicote por parte do Governo naquele que é um direito constitucional das associações sindicais – a contratação colectiva. Direito individual de exercício colectivo, ele é dos trabalhadores e, neste momento, o Governo outorga-se o direito de boicotar a contratação enfiando na gaveta todos os Acordos Colectivos de Entidade Empregadora Pública que se recusa publicar, violando o acordo a que as partes chegaram e violando a Constituição.

«Mulher, toma nas próprias mãos a conquista dos teus direitos!»

Eis que, traçado um breve cenário das intenções de um Governo que, também e principalmente na defesa da classe trabalhadora, cedeu ao patronato, chega o momento de olhar o futuro com esperança. A esperança transportada nas vozes das aposentadas que no próximo dia 12 de Abril entoarão «Grândola, vila morena» contra o roubo nas suas pensões. Esperança nas acções de luta de milhares de trabalhadoras que defendem a escola pública, o direito a um trabalho com direitos, serviços públicos, o poder local democrático, o SNS. Esperança nas muitas, muitas trabalhadoras da Administração Pública que envergaram bem alto, diante do Tribunal Constitucional a mensagem «Em defesa da Constituição».

É possível uma vida melhor, é possível romper com as políticas de direita deste Governo e é possível derrotar o Governo e a Troika, com a consciência de que as mulheres são força imprescindível no local de trabalho, no movimento sindical, no movimento associativo popular, nas associações de mulheres.

«Nós dizemos às mulheres e em primeiro lugar às mulheres trabalhadoras que têm no PCP um defensor firme e permanente dos seus interesses, direitos, aspirações e objectivos. Mas ao mesmo tempo lançamos um apelo à mulher: “Mulher! Toma nas próprias mãos a conquista dos teus direitos!” Isto é: organiza-te, participa activamente nos sindicatos e outras organizações unitárias, avança as tuas reclamações e objectivos, luta por eles, mobiliza as massas femininas para a luta.» (6)

Nota
(1) Empresa concessionária da alimentação da Maternidade Bissaya Barreto e do Hospital Pediátrico, em Coimbra.
(2) Direcção Regional de Educação do Centro.
(3) Encontro do PCP sobre os Direitos das Mulheres, Edições «Avante!», Lisboa, 2008, p. 114.
(4) Clara Zetkin e a Luta das Mulheres – uma atitude inconformada um percurso coerente, Edições «Avante!», Lisboa, 2007, pp. 119-125.
(5) Diferença que tem vindo a demonstrar tendência para aumentar. «Em 2005, uma mulher ganhava em média 77,4% do ganho médio mensal dos homens. Entre 1997 e 2005, agravou-se a desigualdade salarial no nível de qualificação mais elevado (quadros superiores) – as mulheres auferiam 70,1% do ganho médio dos homens quando, em 1997, a relação era de 75,3%.» (Encontro do PCP sobre os Direitos das Mulheres, ed. cit., p. 36) «Dados de 2005 referem que, em média, os homens auferem um salário superior ao das mulheres em quase 30%. Esta situação é mais evidente nos trabalhadores que se encontram no final da sua vida activa, chegando a atingir uma diferença de 47% no escalão dos 55-64 anos.» (Livro Branco das Relações Laborais, Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, Lisboa, 2007, p. 37).
(6) Álvaro Cunhal, intervenção de encerramento da Conferência do PCP sobre A Emancipação da Mulher no Portugal de Abril, Edições «Avante!», Lisboa, 1986, p. 80.