Não podemos cometer essa insensibilidade de censurar o PS por ter saudades do colinho dos grandes patrões deste país. São muitos anos de ligação. Das origens aristocráticas ao oportunismo pós-25 de Abril, os laços são profundos, as raízes estão todas lá. Mesmo que nunca os tenham verdadeiramente abandonado, e mesmo que, como se sabe, bom filho a casa acabe sempre por tornar, é também certo que a CIP não deixou de protagonizar certos «amuos» pelas poucas mas efectivas políticas que o PS aprovou e que tiveram o cunho do PCP. O que vimos esta semana com a emenda de mão do PS a uma proposta sobre legislação laboral que o mesmo PS tinha aprovado na generalidade há uns meses, veio evidenciar, mais uma vez, à saciedade, que bem razão tinha o PCP ao rejeitar o Orçamento de Estado proposto pelo governo. Quem se coloca desta forma despudorada e às claras, mesmo que em contraponto com decisões anteriores, ao lado de o que defende a vampiragem da CIP, não pode, de modo algum, contar com o apoio dos trabalhadores portugueses.
Mas, afinal, que «crimes» cometia o tal projecto de lei (525/XIV/2) apresentado pelo PCP? Visando combater a chaga da precariedade laboral, propunha-se, entre outras medidas, «a transformação da presunção de contrato de trabalho em prova efectiva da existência de contrato de trabalho»; a redução da contratação a termo; a «revogação do aumento do período experimental para 180 dias nos casos de trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração»; o «aumento do período em que a entidade patronal fica impedida de proceder a novas admissões através de contrato a termo ou temporário»; a «redução do número de renovações do contrato a termo certo para o máximo de duas»; a «redução da duração do contrato a termo incerto para o máximo de 3 anos.»; ou ainda, «o estabelecimento de sanções económicas, fiscais e contributivas para as entidades patronais que recorram a formas de contratação precária».
Facilmente se compreende que nada disto seja aceitável para a voragem patronal (sobretudo dos grandes grupos) que cresce abusando de vínculos precários. Também se compreende, ou melhor, só mesmo assim se compreende que, à sombra das posições da CIP, o PS se coloque de forma inequívoca como garante político da defesa dos respectivos interesses. E não só nesta questão concreta, como no cômputo geral das políticas que norteavam o orçamento em boa hora chumbado. O que este caso concreto nos mostra não constitui nenhuma surpresa absoluta, reforce-se. Contudo, vem revelar a forma retumbantemente fácil, descarada, escandalosa, como o velho e verdadeiro PS aceita e assume o seu papel de quem está não ao serviço dos trabalhadores, mas ao serviço dos grandes patrões deste país. Agora imagine-se o regabofe que não seria com um PS de «maioria reforçada», como deseja António Costa. Com PSD e CDS em bolandas internas, não admiraria nada que António Saraiva, Soares dos Santos, Azevedos, Amorins e companhia viessem a votar tranquilamente no PS nas próximas legislativas.
No que toca às medidas laborais que esta proposta do PCP pretenderia anular, elas são, na sua maioria, reminiscência das políticas da Troika. E esta semana acaba por ser fértil em coisas que nos fazem lembrar o passismo troikista. Até mesmo Marta Temido, num acesso de incontida sobranceria e irresponsabilidade, ainda no meio de uma vaga pandémica, resolveu chamar «piegas» aos médicos mas por outras palavras. E não há aqui, apesar da furtiva e mentirosa contra-propaganda, nenhum equívoco de interpretação. Foi mesmo aquilo que ela disse e que ela quis dizer. «Resiliência» não tem faltado ao SNS, aos seus médicos, enfermeiros, trabalhadores em geral nestes tempos críticos. O que tem faltado é remuneração justa, contratação de mais meios humanos, melhoria de condições de trabalho, enfim, a defesa dos trabalhadores e do serviço público de saúde. Aqui como no exemplo anterior, também o PS volta a mostrar a sua verdadeira face. Ainda que recente, Marta Temido já justifica bem a posse do seu novo cartão de militante.