T: teletrabalho
Tal como todos os avanços técnicos e tecnológicos, o teletrabalho tanto pode servir para libertar como para oprimir. Como qualquer outro instrumento, o teletrabalho serve os interesses de quem o detém. Se, nalguns casos, o teletrabalho poderia evitar deslocações demoradas, caras e desnecessárias, a realidade demonstra que está a ser usado para aumentar a exploração e transferir para o trabalho despesas que, até aqui, eram responsabilidade do capital.
Não se trata unicamente do aumento dos horários de trabalhos, como demonstram vários estudos, trata-se de ser o trabalhador a pagar pelo arrendamento do seu próprio local de trabalho que, para todos os efeitos legais, passa a ser a sua casa. Na mesma esteira, passa a ser o trabalhador o único responsável pelo pagamento da água e dos esgotos, da electricidade, da internet, do aquecimento, da alimentação, da limpeza e de todos os serviços necessários ao funcionamento da empresa. Ao não traçar valores mínimos, nem obrigações legais, como o subsídio de refeição, a legislação recentemente aprovada na AR não responde a qualquer uma destas questões.
Ao isolá-los, o teletrabalho enfraquece a capacidade de reivindicação e de resistência dos trabalhadores. Ao interromper as interacções de quem partilha diariamente, no mesmo espaço e ao mesmo tempo, os mesmos problemas e os mesmos interesses, o teletrabalho impede as solidariedades, quebra a confiança e limita a capacidade de organização ao mesmo tempo que dissolve a fronteira entre o tempo de trabalho e o tempo pessoal.
Apesar de tudo isto, o teletrabalho é sedutor para a maioria dos trabalhadores, porque promete mais tempo com a família, menos tempo nos transporte públicos ou no trânsito, menos despesas em combustíveis, mais conforto e até mais liberdade. O logro do capital consiste em oferecer a promessa destas aspirações sem ceder em horários de trabalho nem em remunerações, muito pelo contrário. Se o teletrabalho não transferisse despesas do capital para o trabalho nem permitisse explorar mais, os patrões não o desejariam. O teletrabalho deve, por isso, ser o resultado de uma opção dos trabalhadores e nunca um cenário absoluto.
Há uma guerra pelas nossas palavras. Elas são os instrumentos com que explicamos o mundo e a história ensina-nos que só o consegue transformar à sua vontade quem o consegue explicar. Da mesma forma que os negreiros tinham o cuidado de separar os escravos em grupos que não falassem a mesma língua, o capital verte milhões em campanhas de confusão conceptual, na promoção de novas categorias, na erradicação de certos vocábulos e na substituição de umas palavras por outras, aparentemente com o mesmo sentido. Este dicionário é um breve contributo para desfazer algumas das maiores confusões semânticas, conceptuais e ideológicas dos nossos tempos.
15 Dezembro, 2021 às
Uma das virtudes do capitalismo é que já organiza, parcialmente, os trabalhadores ao colocá-los no mesmo local de trabalho. Se compararmos com a situação dos pequenos camponeses, é claro que a experiência de interações repetidas em espaços fechados por longos períodos de tempo reduz os custos de alguns factores essenciais para a ação coletiva — a comunicação, a troca de informações, o planeamento, etc..
Ao se aproximarem, os trabalhadores reconhecem a sua situação comum. Eles vêem que estão todos sujeitos a condições amplamente semelhantes, que operam sob as mesmas estruturas de autoridade e sofrem as mesmas responsabilidades. Nessas interações constante, eles criam uma identidade comum e, portanto, uma vontade de se envolver em atividades comuns.
Esta é apenas uma pré-condição para a formação da consciência de classe, não é uma garantia determinística. A história mostra-nos longos períodos de tempo em que observamos não um conflito generalizado, mas estabilidade.
O teletrabalho, como todas as conveniências frutas do avanço tecnológico sob o modo de produção capitalista, apresenta uma sombra insidiosa. A nova ostensiva liberdade e autonomia “conquistada” pelo trabalhador remoto esconde a erosão entre o domínio da vida e o domínio do trabalho, a perda gradual da privacidade, a fissura de laços entre colegas de trabalho, etc..
O desafio para uma teoria materialista é mostrar como pode ser que, embora, sob certas circunstâncias, a localização da classe dos trabalhadores possa incliná-los a convergir em torno de uma estratégia de resistência coletiva, é igualmente provável que os motive a perseguir uma estratégia de resistência individual e conformista.
A consciência de classe e as formas de contestação a ela associadas podem então ser entendidas como um produto de algumas condições muito particulares que podem ter de ser produzidas e sustentadas, ao invés de presumir que se encaixem na lógica interna da estrutura de classes. A ausência de consciência de classe entre os trabalhadores e a erupção esporádica ou evanescente do conflito de classes podem então ser vistos como sendo inteiramente consistentes com uma análise de classe do capitalismo ao invés de uma indicação do declínio da saliência da classe como elemento fundamental da mudança social.
No quadro de alienação intensificada — visível cada vez mais a olho nu, na era digital — o teletrabalho representa um obstáculo para o veículo operário. Urge um desenvolvimento teórico, um reconhecimento da realidade concreta da situação dos trabalhadores, e uma disposição séria para ir além da ortodoxia do século passado. Se insistirmos obstinadamente em ver o momento atual através de lentes conceituais manifestamente desatualizadas, não veremos absolutamente nada.