O racismo não é um papão

Nacional

"O RACISMO ACORRENTA AMBOS", cartaz do Partido Comunista dos Estados Unidos da América

Recentemente tenho visto alardeada a tese de que o excesso de discussão sobre o racismo na esfera pública potencia o crescimento do racismo. Ora, o racismo não é um monstro que se autoalimenta, e também não é um papão que desaparece se deixarmos de falar dele. Ele tem uma origem definida e serve interesses claros, os interesses da classe dominante.

Em “A Questão Irlandesa e a Internacional”, de Novembro de 1869, Marx escreve o seguinte:

“Todos os centros industriais e comerciais da Inglaterra têm agora uma classe operária dividida em dois campos inimigos: proletários ingleses e proletários irlandeses. O operário inglês comum detesta o operário irlandês como um concorrente que rebaixa o seu nível de vida, sente-se a seu respeito, como membro de uma nação dominante e torna-se, desta forma, um instrumento de seus aristocratas e capitalistas contra a Irlanda e assim consolida o seu poder sobre si próprio. Preconceitos religiosos, sociais e nacionais atiram-no contra o operário irlandês, comporta-se em relação a ele, mais ou menos como os brancos pobres contra os negros, nos antigos estados esclavagistas da União americana. O irlandês paga-lhe na mesma moeda; vê nele simultaneamente o cúmplice e o instrumento cego da dominação inglesa na Irlanda.”

E ainda:

“Pouco a pouco cheguei à convicção, falta apenas inculcá-la na classe operária inglesa, de que ela nada poderá fazer de decisivo, aqui na Inglaterra, enquanto não romper da maneira mais clara, em sua política irlandesa, com a política das classes dominantes; enquanto não associar seus interesses aos dos irlandeses, também não tomará a iniciativa de dissolução da União forçada de 1801 e de sua substituição por uma confederação igualitária e livre. É preciso visar esta meta, não por simpatia à Irlanda, mas como uma reivindicação no próprio interesse do proletariado inglês. Senão, o povo inglês continuará a ser tutelado pelas classes dirigentes, pois ele é obrigado a unir-se a elas para enfrentar a Irlanda. Todo o movimento popular, na própria Inglaterra, está paralisado de antemão pela contenda com os irlandeses que constituem, na própria Inglaterra, uma fração muito importante da classe operária.”

Para contexto, é importante perceber que a noção de “branco” se foi alterando ao longo da história. Nesta Inglaterra do século XIX os irlandeses não eram brancos, porque eram irlandeses. Marx não era branco, porque era judeu. Vladimir Lénine e Rosa Luxemburgo não eram brancos, porque eram eslavos. Nos EUA do início do século XX os italianos e os irlandeses também não eram brancos – como podemos ver na série Boardwalk Empire. Tenho um amigo, sueco-português, que me conta divertido que sempre que chega ao seu país de origem – a Suécia – deixa de ser “branco” e passa a ser “latino”. “Branco” sempre significou aquilo que, em cada momento, deu jeito à classe dominante que significasse.

É preciso portanto perceber a natureza de classe do racismo. Stokely Carmichael, Primeiro-Ministro Honorário do Partido dos Panteras Negras, explicou-o de forma brilhante:

“Se um branco me quiser linchar, isso é problema dele. Se ele tiver o poder de me linchar, isso é problema meu. O racismo não é uma questão de atitude; é uma questão de poder. O racismo deriva o seu poder do capitalismo. Assim sendo, para ser anti-racista, quer o saibas ou não, tens de ser anti-capitalista. O poder do racismo, o poder do sexismo, vem do capitalismo, não duma atitude.”

E também, no seu livro “O Poder Negro”:

“O Racismo é simultaneamente descoberto e encoberto. Assume duas formas intimamente ligadas (…) Chamamos-lhes racismo individual e racismo institucional. O primeiro consiste em actos a descoberto por indivíduos, que causam morte, lesão ou a violenta destruição de propriedade. O segundo tipo é menos evidente, muito mais subtil, menos identificável em termos de ser cometido por indivíduos. Mas não é menos destruidor da vida humana. (…) Este segundo tipo tem origem nos mecanismos das forças estabelecidas e respeitadas na sociedade, e é portanto menos condenado na opinião pública do que o primeiro tipo.
(…)  Quando uma família negra se muda para um bairro branco e é apedrejada, queimada ou expulsa, ela é vítima de um acto a descoberto de racismo individual que a maioria condenará – pelo menos verbalmente. Mas é o racismo institucional que mantém os negros em bairros degradados e delapidados, sujeitos à depredação diária de senhorios exploradores, comerciantes, agiotas e agentes imobiliários que os descriminam. E a sociedade faz de conta que não sabe, ou é de facto incapaz de fazer alguma coisa de significativo sobre isso.”

Atentemos ali à última oração:

“ou é de facto incapaz de fazer alguma coisa de significativo sobre isso.” Este regime de modo de produção capitalista a que convencionamos chamar democracia burguesa não contém em si as ferramentas capazes de acabar de vez com o racismo. Representatividade, quotas e apoios sociais, ainda que necessários, não passam, num quadro macro, de pensos rápidos sobre o problema. Mas o racismo não é uma ferida que possa curar-se, é um mecanismo fundamental para os interesses da classe dominante.

E dirão alguns, cobertos de razão: “não tem essencialmente a ver com a raça, mas com a matriz económica e social” – Claro que sim. Mas isso continua a não explicar então porque é que a pobreza se abate mais sobre os sujeitos racializados do que sobre os brancos.

O racismo institucional, como vimos acima, é uma ferramenta do aparelho ideológico da classe dominante, nascido no período da expansão político-económico-militar europeia a que a nossa história chama “Descobrimentos” (passe a idiotice de pretender descobrir um sítio onde já vive gente), a que nos podemos referir como “Era Colombiana”, no sentido de ser pós descoberta da América por Colombo, e que é a génese da transição em larga escala do feudalismo para o capitalismo. Citando novamente Marx: “A descoberta de terras de ouro e prata na América, o extermínio, escravização e enterramento da população nativa nas minas, o início da conquista e pilhagem das Índias Orientais, a transformação da África numa coutada para a caça comercial de peles-negras, assinalam a aurora da era da produção capitalista.”

O racismo serve para condicionar todas as pessoas que são vistas como não-brancas a aceitar a sua condição primeiramente de escravo, e mais tarde de cidadão de segunda. E isto tem dois propósitos: O primeiro, mais claro, é o de ter um grupo social mais predisposto a aceitar os trabalhos desgastantes, mal remunerados e pouco rentáveis que são essenciais à sociedade. E um segundo propósito, que é o de engrossar aquilo a que Marx chamava o exército industrial de reserva, ou seja, o desemprego estrutural que no capitalismo serve para exercer pressão negativa sobre os salários, os direitos e as condições de vida de todos os assalariados.

Sabemos também que a nossa libertação dos 48 anos de ditadura fascista não teria sido possível como foi se não pela acção dos movimentos de libertação nas ocupações portuguesas em África. E que a libertação desses povos também não teria ocorrido da mesma forma se não fosse pela acção do movimento anti-fascista português. O derrube da besta fascista foi um acto simultâneo do proletariado português e africano.

Voltemos então à tese idealista inicial de que o racismo cresce quando falamos dele. O crescimento do racismo não depende em nada de falarmos ou não dele. Adoptando uma perspectiva materialista, e em termos eleitorais ele cresce graças à crescente massa de deserdados do sistema, nossos companheiros e companheiras de classe, a quem o regime democrático burguês, não sendo capaz de responder aos seus anseios, aliena por acção da sua ideologia, fazendo-os crer que a culpa do seu baixo salário não é do patrão que os explora, mas do emigrante que aceita fazer o mesmo trabalho por menor salário.

O combate ao racismo terá de ser, necessariamente, um acto simultâneo dos proletários de todos os países, independentemente do seu tom de pele, sexo, nacionalidade ou credo. Privar a burguesia desse instrumento de divisionismo de classe é um ponto fundamental na construção de qualquer sociedade nova.

10 Comments

  • Jose

    5 Julho, 2020 às

    A tua tele-escola só dá para escreveres inanidades?

    • Nunes

      6 Julho, 2020 às

      Outra vez?

      Afinal de contas, não sabes escrever «Telescola», meu burro?

      Ou será antes bronco, tronco e cabeçudo?

    • Jose

      8 Julho, 2020 às

      Gosto de ter ver feliz com imbecilidades.

    • Nunes

      10 Julho, 2020 às

      Na verdade, os imbecis escrevem «tele-escola» em vez de «telescola».
      Volta para a quarta classe, burro.

  • Jose

    4 Julho, 2020 às

    Ora faz lá um comentário minimamente estruturado a essa 'calinada', Nunes.

    • Nunes

      5 Julho, 2020 às

      Caramba, nem se quer a tua «Tele-escola» (ou será «Telescola»?) te reprime na tua grande missão contra o socialismo e o comunismo.

      Pelo que vejo, continuarás sempre por aqui, ora provocando com um ou dois comentários confusos, contudo sempre muito determinados.

      Em todo o caso, no desastre verificado (em que escreveste «Tele-Escola») deu para confinares um pouco e fazer de conta que não existias.

      Agora, pareces mais confiante a voltar na tua grande missão. O que te deu, meu javardo? Foi o teu atraso mental ou a tua estupidez não assumida?

  • Jose

    2 Julho, 2020 às

    O Solha leu a cartilha e pôs-se a escrever!

    • Nunes

      2 Julho, 2020 às

      Então, afinal, é «Tele-Escola» ou «Telescola», seu grande tosco?

      Para além de fascista-imbecil assumido, o «Jose» pertence ao reino dos «Calinos».

    • Jose

      4 Julho, 2020 às

      Desde que te faça feliz…

    • Nunes

      4 Julho, 2020 às

      Acredito no blog «Ladrões & Bicicletas» como poiso de «Calinos» e outros burros, com mentalidade antiga ou cretina, onde às vezes saem ideias, concepções tão confusas, como esta:

      «O saber-se porque alguém sai da pobreza ou perde a riqueza nunca interessa aos marxistas que chafurdam no seu universo de algozes e vítimas, no qual sempre se imaginam nas hostes que, extinguindo os ricos, salvam o mundo da pobreza.

      Se bem me lembro, de há muito abandonaram a utopia da ausência do Estado, e tudo é no presente dirigido ao seu gigantismo, que o mesmo é dizer que é dirigido à obliteração de memórias e das realidades do presente que reproduzem essa mesma opção.

      Se lhes acrescentarmos o nacionalismo em que envolvem a sua visão do mundo, logo se percebe porque as constantes peregrinações ao ambiente de há dois séculos, que forjou as crenças que reclamam como suas; nas palavras, para esse tempo, dos intelectuais desse tempo, buscam uma coerência que a todo o tempo a realidade lhes nega.»

      Como será o teu cérebro lá dentro, ó «Jose da Tele-Escola»?

      Para seguir a tua grandeza cerebral, sempre é melhor viajar na «montanha russa» de alguma feira popular.

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