O sol e a eira

Nacional

Há uma razão para a oposição dos comunistas (e só dos comunistas) à União Europeia: não é possível obedecer às regras de Bruxelas que nos mandam empobrecer e, simultaneamente, parar de empobrecer. Como demonstra a crescente irritabilidade da Comissão Europeia e da Alemanha perante os parcos sinais de mudança dados pelo governo do PS, o próximo Orçamento do Estado dificilmente se poderá equilibrar entra o sol da eira e a chuva do nabal.

A parcimónia com que, de resto, o primeiro-ministro António Costa promete cumprir os acordos assinados à esquerda e as restrições macro-económicas da UE ilustram a contradição de fundo que, desde os tratados de Roma, em 1957, opõem a ruptura à continuidade. A inacabada crise grega prova que a resposta a este desafio não depende da agilidade dos agentes políticos, da boa vontade dos burocratas de Bruxelas nem da capacidade negociadora dos governos. Trata-se, muito pelo contrário, da resposta a uma pergunta simples: dizer basta ou aprofundar a submissão.

O OE será a prova de algodão à questão axiomática, não do futuro de Portugal na UE, mas do governo do PS. A diversidade de sinais dados pelo governo e as contradições latentes nas classes sociais que o apoiam desembocarão necessariamente num cenário inaceitável para uma das partes: se, por um lado, o governo cumprir as promessas assumidas com o povo e puser fim às privatizações, começar a devolver os rendimentos roubados aos trabalhadores e decidir valorizar o trabalho, terá, forçosamente, que encetar uma política fiscal desfavorável a alguns sectores do capital; se por outro lado, o governo decidir aumentar as propinas, continuar as privatizações, insistir nas 40 horas de trabalho e continuar o esbulho fiscal dos trabalhadores, perderá o apoio parlamentar.

Para António Costa, a solução mais fácil não é a melhor. Tentar a paz com deus e com o diabo, transferindo a austeridade de uns trabalhadores para outros, parando umas privatizações e começando outras, tirando com a mão direita para devolver com a esquerda e procurando enganar Bruxelas com previsões de crescimento deixará Portugal numa situação semelhante à grega, ou seja, numa estranha agoniosa mas contrafeita submissão voluntária.

Como já defendi aqui, mais do que nunca, e independentemente do grau de intervenção das políticas concretas, Portugal tem duas opções sem meio-termo: desobedecer à União Europeia ou à vontade do povo português.