Sob a máscara do conservadorismo democrático a extrema-direita política em Portugal está implementada bem para lá das fronteiras dos partidos ou organizações populistas, esticando a sua influência ideológica para as estruturas neoliberais e social-democratas. Neste cenário, um tanto ou quanto aceleracionista, o fascismo é ressurgido e institucionalizado, os seus caciques estão em roda solta e o patronato esfrega as mãos, às aranhas só o pobre, sem saber quem o maltrata.
Tudo isto não configura propriamente uma novidade; os momentos eleitorais e, portanto, eleitoralistas denunciaram a via de aproximação dos partidos tradicionalmente centristas, à esquerda e à direita, às posições fascizantes, no âmbito social e cultural, e neoliberais, no campo dos direitos laborais e económicos, acompanhando um fenómeno, que por sua vez, não se encerra em Portugal, mas que domina o ambiente político e institucional do que é comummente designado como mundo ocidental.
Todo este processo, amplamente vincado pelo abandono da decência e da ética, mas também da moral e da empatia, no que a Portugal diz respeito, precipitou-se nos últimos meses, em particular, com a nova correlação de forças estabelecida na Assembleia da República. E, perante o falhanço retumbante da via social-democrata em dar respostas aos problemas prementes das pessoas, num país intencionalmente estupidificado e despolitizado, a vanguarda capitalista predispõe-se a dar o salto em direção ao abismo e salvaguardar o sistema com recurso ao seu braço armado, isto é o fascismo.
Porém, todo este caminho haverá de ser trilhado marcando um paciente compasso de autofagia de liberdades e garantias, sobretudo olhando ainda para a implementação popular da Revolução que sobrevive ainda na memória colectiva do povo português. Aí, reside a esperança de uma inversão de marcha, aliada à ação dos movimentos populares e colectivos que encontram respaldo na sua organização partidária de classe.
Porém, esta escalada apresenta-se quase como imparável, e nas últimas semanas tem-se assistido a um rolo compressor ideológico em várias matérias da vida colectiva com um amplo apoio político no parlamento, desde uma putativa revisão constitucional com o objectivo de descaracterizar o progressismo do texto da constituição, ditado por vontade popular, ao ataque à lei da greve, que promete limitar a ação sindical e dos trabalhadores na exigência por melhores condições de vida e de trabalho; da saúde e o anúncio do reforço da gestão privada no Serviço Nacional de Saúde e a precarização das suas valências hospitalares um pouco por todo país, à educação com a ideia soprada de descongelar propinas ou retirar o conteúdo sobre sexualidade e educação sexual das disciplinas do âmbito de cidadania, que em muito poderá contribuir para o aumento de abusos e violência em contexto de relação, gravidezes em idade de risco ou de doenças sexualmente transmissíveis; da angelização das políticas liberais, da sanha indomável da privatização e economicismo bruto em todas as áreas, à demonização do estado social e ao uga-buga do estado sorvedor do erário público e, portanto, com a promoção do seu desmantelamento e consequente ineficiência; da glorificação do empreendedorismo, concretizada em grandessíssimas borlas fiscais aos grandes grupos económicos, grande parte pela via do desagravamento do IRC, à desconsideração do valor do trabalho, com um virtual congelamento do rendimento pessoal, numa inversão teórica infantilizada de que antes da distribuição vem a criação de riqueza como se por aí não andasse já; da impolítica política de habitação com o mote – a cada pobre as estrelas no céu como tecto, às políticas armamentistas e bélicas de ouro maciço, e opções diplomáticas internacionais à justa medida da cor da pele e da crença, na Europa são gente em Gaza nem por isso. Mas tudo isto é mundo que temos e o que temos por mundo, dar a todos não se pode, embora que tão estranha caridade feita com dinheiro do povo.
Um verdadeiro círculo vicioso, este, onde socialistas, social-democratas e fascistas, como vampiros, alimentam perpetuamente a destruição das respostas políticas que em larga medida corresponderiam a parte das suas, passe-se o termo, preocupações e em simultâneo fazem suas essas falsas bandeiras para alimentar agora perceções e outros achismos, e enquanto berram e gritam não tocam em nada sem ordem do capital, afinal está a funcionar perfeitamente no que toca à acumulação de riqueza.
Regressando a esta tipo tosco de aceleracionismo é bom que se compreenda a imperativa necessidade de organização colectiva, seja no movimento cultural e associativo, académico, estudantil, recreativo ou social, nos movimentos de classe e representação laboral, como os sindicatos e células, nos movimentos políticos, como O Partido.
Em simultâneo, neste campo minado que são os momentos de eleitorais, participar e fazer crescer o apoio unitário em torno da decência e do humanismo e das candidaturas que preconizam esses conceitos, nas nossas terras e pouco depois para a República, que perante a mercantilização de todos os valores e princípios vem sempre à lembrança que o último capitalista que enforcaremos será aquele que nos vendeu a corda, porém não é certo que o capitalismo não destrua mundo antes do triunfo dos povos e dos trabalhadores, isto porque:
– no dia em que faltar um pouco mais ao rico é primeiro o teu salário que roubam;
– no dia em que faltar engordar um pouco mais o capataz é primeiro o teu prato que assaltam;
– no dia em que faltar espaço para guardar tanto ouro é primeiro a tua casa que destroem;
– no dia em que faltar ainda um pouco mais ao patrão é primeiro o teu sindicato que proíbem;
– no dia em que faltar silêncio é primeiro o teu Partido que atacam e ilegalizam;
– no dia em que faltar morrer é primeiro a ti que mandam para a guerra.