“Onde pára a política científica” – por Tiago Domingues

Nacional

Novo paradigma, competitividade, starvation, diferenciação, racionalização, transferência de conhecimento, mérito e excelência são algumas palavras acrescentando léxico à novilingua da direita liberal. Já utilizada para graçolas em qualquer café de esquina, para justificar a destruição do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN), cavalgada a trote por uma FCT de tiranetes e corroborada pelo respectivo ministério e governo PSD/CDS, como parte da agenda ideológica que pretende desmantelar o ensino universitário público em conjunto com a investigação científica, onde reside uma das nossas melhores hipóteses de ombrear com países de tecido industrial desenvolvido e deixar para trás, de vez, o analfabetismo designado pelas políticas fascistas do Estado Novo.

A destruição do castelo científico e tecnológico não está assente numa ideia ingénua de ausência de política científica, mas sim, numa agenda muito bem definida, que pretende agarrar a ciência à lógica mercantilista e a educação como um serviço e não um direito. A ideia de escola é colada a um edifício de formatação onde o aluno é o cliente e a investigação é vista como uma despesa onde se adivinha o “cientificamente mais rentável”. Sobrevive quem adapta a linguagem ao economicismo vulgarizado, e devidamente personificado, se não mesmo antropomorfizado por “os mercados”, deixando de fora todos os outros que não se enquadram no tal novo paradigma, entre as quais as ciências sociais e humanas, que além de luxuosas, cravam constantemente espinhos aguçados nas altas esferas do poder pelo simples exercício do pensamento crítico – razão pela qual Salazar as proibiu nas faculdades! É a política da investigação de retorno económico rápido cheia de argumentos desmontados vezes sem contas na história da ciência (área já também posta de parte por esta FCT), que só servem para engrossar a córnea míope de quem acha que controla o próximo passo no desenvolvimento social e científico.

O plano é simples, claro para quem o quer ver e já visto noutras áreas: sobre a égide da sustentabilidade e racionalização de recursos começa-se no estrangulamento financeiro das instituições. Universidades e Centros de Investigação são postos no patamar da sobrevivência para que se insurja o medo e a desconfiança onde antes existia a colaboração. As próprias Instituições desenvolvem sistemas de controlo, muitas vezes de carácter kafkiano, para colher fundos à actividade de investigação, mesmo aos mais precários como os bolseiros. Com o caos e a desconfiança instalados, força-se o divórcio entre a universidade e a investigação científica, deixando a primeira ainda mais fragilizada, prontinha para a venda a retalho, objectivo já antigo do capital, que tal como se aproveita do desespero de um doente vê um óptimo negócio na instrução das elites e na extorsão e endividamento de quem almeja a mobilidade social através de uma educação superior. A segunda fica entregue ao controlo das empresas privadas, onde largos montantes de financiamento público oneram os bolsos de fundações privadas que têm o objectivo da patente científica como fim da exploração comercial da investigação financiada pelos cidadãos. A estrutura tentacular deste polvo já está bem instalada, Convido os mais desconfiados a procurarem quem é a actual Presidente da Fundação Champalimaud, ilustre fundação criada para o mecenato científico e que chafurda agora no dinheiro dos contribuintes. Quem é a Presidente do Conselho Geral da Universidade de Lisboa? A hipoteca da ciência de investimento, interesse e usufruto público a interesses privados e ao seu único objectivo final, o lucro.

Com este panorama e por necessidade, os investigadores viram-se para fora na procura de financiamento. E é de fora que quem paga decide o quê e como se investiga, submetendo desta forma a nossa ciência a uma tutela externa. Este comportamento é encorajado pela tutela nacional, que não tem qualquer tipo de pudor em submeter, por sua decisão, a entidades estrangeiras a avaliação e critério de onde e como investir o dinheiro público, consagrando-se assim mais um atentado à nossa independência e soberania.
Está quebrado o pacto entre a FCT e a comunidade científica, sendo isso mais que evidente pela força da luta dos trabalhadores científicos, que se espelha na tutela com um remate perfeito da sua política, rotulando o clima de contestação que vive a comunidade científica como “má fé”.
A situação de precariedade, legado de anteriores governos PS, é acentuada pelo despedimento colectivo em que se traduz o corte sem precedentes nas bolsas de investigação científica e nos contratos para investigadores. Aos milhares fogem das suas universidades e centros de investigação para encontrarem a sua zona de conforto noutros países, que de bom grado capitalizam o desperdício a que ficam vetados os milhões investidos na sua formação.

À comunidade científica resta o caminho da resistência. O caminho de devolver à universidade a democracia que se perde todos os dias com este governo, eliminando o espaço que é aberto à tirania, essencial para destruir o ensino público. O caminho de trazer de volta a investigação às universidades e politécnicos. O caminho de desmascarar o discurso da excelência e racionalização pondo a nu a opção política de aniquilamento da investigação científica em nome da mercantilização e elitização do conhecimento que é um direito público. O caminho de exigir financiamento digno à actividade científica, dentro da capacidade que existe para a realizar, perspectivando assim o seu crescimento. O caminho que leve desenvolvimento às populações, independentemente da sua localização geográfica, que premeie a excelência e permita a outros o trabalho para a alcançar. O Caminho de criar uma FCT cuja relação principal com a comunidade não seja a da desconfiança ou incerteza.

O caminho é o da luta dos trabalhadores contra a precariedade e pelo reconhecimento legítimo da sua responsabilidade na criação da riqueza e desenvolvimento do país.

* Autor Convidado
Tiago Domingues, Bolseiro de Investigação Científica