Os derrotados de todos os dias

Nacional

«Das eleições acabadas, do resultado previsto, saiu o que tendes visto: muitas obras embargadas. Mas não por vontade própria, porque a luta continua, pois é dele a sua história e o povo saiu à rua». A letra é do Zeca mas a história é de todos: quando contei o resultado das eleições ao meu pai, que se aproxima gentilmente dos 88 anos, ele disse-me que já viu pior. Recordei-lhe que, em eleições para o Parlamento Europeu, o escrutínio de domingo devolveu o pior resultado da CDU, com a perda de metade dos votos em relação a 2014. «Já vi pior», insistiu. E já viu mesmo.

É fácil perdermos a perspectiva na espuma dos dias e esquecermo-nos de como eram as derrotas há apenas meio século, meia-dúzia de dias à escala da História e ontem para mulheres e homens como o meu pai.

Durante o fascismo, o meu pai era jornalista da Capital e militante do PCP. Lembra-se da prisão, da tortura, do medo que sentiu no isolamento e de quase morrer sem assistência médica. O meu pai lembra-se de achar que a vida dele tinha chegado ao fim. Lembra-se de, quando foi preso, pensar que os dois filhos e a mulher tinham ficado sem qualquer sustento. O meu pai lembra-se dos camaradas que foram assassinados.

Então, quando lhe falo na perda de um euro-deputado, o meu pai lembra-me do Comité Central estar praticamente todo preso. Quando lhe leio o Expresso a declarar o óbito do PCP, ele lembra-me de que os jornais, já nos anos 50 e 60, anunciavam o fim do PCP a cada redada policial. Quando lhe desabafo que os nossos militantes se estafaram a trabalhar nesta campanha, ele lembra-me das gerações de comunistas que lutaram até ao fim das suas forças sem chegar a ver o 25 de Abril.

E o meu pai não é um herói. Não é um Álvaro, nem um Jaime Serra, nem um Sérgio Vilarigues, nem um Blanqui Teixeira, nem um António Dias Lourenço. O meu pai é um militante como outros milhares, um trabalhador reformado, um homem bom que aprendeu a ler, a escrever e a pensar.

O que distingue o PCP de todos os outros partidos é a sociedade totalmente nova, mais justa, por que lutam os comunistas. E o socialismo é uma corrida de resistência e distância longa, potencialmente mais longa do que o nosso tempo de vida. Não espanta, pois, que nas mais amargas noites eleitorais haja quem tome a alegria comunista por desfasamento da realidade. Mas não se trata de dificuldade na admissão da derrota, mas de uma perspectiva, histórica e democrática, que vai para além do momento do voto.

A campanha eleitoral dos comunistas dura a vida toda. Com mais ou menos votos, nos parlamentos e fora deles, na manhã seguinte lá estão os comunistas, nas comissões de trabalhadores, nos sindicatos, nas greves, nas estações de comboios, nos tribunais, na conversa com os colegas, com ou sem eleições, legal ou clandestinamente. Quem teve as unhas arrancadas não desanima com eleições.

O mau resultado do PCP será alvo, estou certo, da devida análise no seu seio. Milhares de militantes, em cada organização, em cada freguesia, em cada local de trabalho, terão oportunidade de discutir franca, e lealmente, tudo o que pode ser feito, para chegar às próximas legislativas com um resultado diferente, não porque crescer nas eleições burguesas seja em si uma vitória, mas porque esses resultados são necessários ao fortalecimento da luta dos trabalhadores e à divulgação das propostas comunistas.

Ontem ajudei uma amiga a chegar ao sindicato pela primeira vez: os patrões têm em curso uma campanha terrorista de assédio moral para a pressionarem a aceitar um salário mais baixo, um contrato que não corresponde às suas funções e a retirada de direitos. A derrota eleitoral da CDU não impressiona  quem está, todos os dias, com os que são derrotados todos os dias. Os trabalhadores não são só derrotados nas eleições: são derrotados quando o patrão pode impor horários livremente, quando têm de aceitar um salário com que não se consegue sobreviver, quando têm de comer e calar porque têm medo de não ser renovados. Essa é a derrota a que importa pôr termo.

Soube hoje que esta amiga se sindicalizou e que, pela primeira vez, não vai baixar os braços perante a injustiça. Esta é uma vitória que, sabendo-a uma partícula no oceano, enche-me de esperança para continuar a luta, até à vitória, sempre.

10 Comments

  • عطية الصاوي

    23 Junho, 2019 às

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  • Jose

    5 Junho, 2019 às

    A Luta!
    Sempre e só o exemplo de quem precisa que lhe resolvam os problemas.
    Nunca a exaltação do trabalhador que tem por objectivo ser capaz de facilmente mudar de patrão porque tem a capacidade profissional e o carácter que o faz desejado nas empresas.
    Sempre e só os coitadinhos que requerem o 'camarada protector'!

    • Nunes

      5 Junho, 2019 às

      O velhinho com o «reco» ouviu e a criancinha bateu palmas: «Força, José, estamos contigo!»

    • Jose

      7 Junho, 2019 às

      Nas crianças está o futuro de que se abandone o velho »reco» dos 'coitadinhos, porque sim'.

  • Nunes

    3 Junho, 2019 às

    Este comentário foi removido pelo autor.

  • Jose

    2 Junho, 2019 às

    «a sociedade totalmente nova, mais justa, por que lutam os comunistas»

    C'um caraças!
    Por isso escasseiam os votos, propõem coisa nunca vista!

    • Nunes

      3 Junho, 2019 às

      Comédia de menino betinho que ainda fuma o seu cigarrinho, às escondidas da mamã.

  • M de mulher

    28 Maio, 2019 às

    Bom texto, é de pequenas partículas neste vasto oceano burguês, de homens e mulheres conscientes da sua luta e dos seus valores que se fazem as vitórias. São estas vitórias por melhores condições de trabalho, de conquista de direitos que temos diariamente que nos tornam fortes e nos mantém unidos em redor de um objectivo e com um rumo bem definido. A luta continua, e tal como refere no texto não é, a não eleição de um deputado que nos afasta do nosso caminho, antes pelo contrário da-nos mais força e coragem para enfrentar as novas batalhas que se avizinham.

  • Nunes

    28 Maio, 2019 às

    São derrotados aqueles que vivem em permanente estado de contra-revolução.
    São vencedores aqueles que querem e pensam em revolução.
    Bom texto. Vamos em frente!

  • Francisco

    28 Maio, 2019 às

    É isso tudo. É isso mesmo.

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