Os ENVC em 1978

Nacional

“A nossa empresa foi nacionalizada em Setembro de 1975 em resultado de uma proposta feita pelos próprios trabalhadores, apresentada e aprovada em Maio desse mesmo ano. A sua situação económica e financeira nunca foi famosa e era caracterizada, à data da nacionalização, por uma quase total descapitalização.

A persistente acumulação de prejuízos tem provocado constantes dificuldades de gestão e acarretado encargos elevados com a contração de vultosos empréstimos. A grave herança que três decénios de tacanha gerência deixaram, o cerco e a sabotagem do capital monopolista interno e externo, o boicote brutalmente exercido pelos países capitalistas, tradicionais clientes, a carência de matérias-primas, quase na totalidade importadas, e o constante agravamento dos seus custos dá-vos uma ideia de como foi e é ainda difícil a nossa luta. Luta dura, mas que, mau grado o nosso querer, teria sido inglória se não fosse o auxilio fraternal dos países socialistas e, em especial da União Soviética, que permitiu, numa altura em que já não havia uma única encomenda em carteira, que se possa laborar quase em pleno até 1979.

Pensamos que novas encomendas poderão vir a ser negociadas com a União Soviética, garantindo, assim, a laboração que os senhores da “Europa connosco” persistem em nos recusar.

Muitas das medidas a tomar para melhorar a rentabilidade da nossa empresa estão, naturalmente, condicionadas à sua integração num plano nacional que permita definir os tipos e características dos navios a construir futuramente pela empresa. Cumulativamente, a nível de empresa, devem ser tomadas medidas tendentes a:

a) Estruturar, reorganizar e dinamizar os serviços de produção, de modo que se possam atingir os valores de produção para os quais foram dimensionados;

b) Proporcionar ao Departamento de Projectos da empresa a capacidade necessária para projectar, estudar e especificar a tempo todas as matérias-primas a importar;

c) Reconsiderar a actual política de compras, no sentido de ser conseguida uma substancial antecipação na colocação das encomendas de matérias-primas, em especial das importadas;

d) Criar uma área dotada de instalações e infra-estruturas indispensáveis para a eficiente actividade da empresa no mercado da reparação de navios.

Também a nível nacional devem ser tomadas medidas que contribuam para melhorar a rentabilidade da empresa, destacando-se, de entre outras, as seguintes:

a) Revogação do Decreto Nº 548/77, que extinguiu o Centro de Coordenação da Indústria Naval, e promulgação de leis que concedam a esse Centro os meios indispensáveis para negociar, estudar, projectar, planificar e distribuir pelos estaleiros nacionais, segundo a capacidade de cada um, as construções resultantes de contratos a firmar por seu intermédio;

b) Elaboração de um plano integrado, a longo prazo, das carências das frotas de pesca e mercante, relativamente a reparações e novas construções, que permita suprir, com encomendas nacionais, a eventual escassez de encomendas de outras oriens;

c) Estímulo ao desenvolvimento das indústrias subsidiárias da construção naval, com vista à máxima incorporação de matérias-primas e produtos intermediários de origem nacional.

Igualmente no âmbito do comércio externo se impõe seguir determinadas acções, tais como: procura intensiva de novos mercados, com vista a minorar a nossa dependência neste sector e garantir uma maior estabilidade das carteiras de encomendas; políticas de financiamento à produção, de acordo com as normas internacionais estabelecidas; realização de acordos internacionais para o tráfego de mercadorias, com obrigatoriedade de a maior parte das nossas importações se efectuarem em navios nacionais; etc.

Estamos conscientes das dificuldades que vamos ter de vencer, estamos perfeitamente capacitados de que nos irão ser exigidos sacrifícios – mas as dificuldades não nos assustam e os sacrifícios nunca os recusamos. Por muito que custe à reacção e ao Governo PS/CDS, as nacionalizações são irreversíveis.

“Trabalho Colectivo apresentado por Edmar Santos Oliveira, soldador dos ENVC, na Conferência das Organizações do PCP para a Defesa e Dinamização do Sector Nacionalizado da Economia, realizada nos 11 e 12 de Março de 1978.”

Tendo passado por diversos donos desde a sua fundação e estando nas mãos da CUF desde 1971, os ENVC foram nacionalizados em 1975. Nessa altura, e apesar das dificuldades que atrás foram já referidas, essa decisão revelou-se fundamental para salvar a empresa e os seus trabalhadores – contando com a ajuda fundamental dos países socialistas do leste europeu. Hoje, em pleno século XXI, procura-se terminar definitivamente os 69 anos de História dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, entregando os terrenos e os materiais da empresa ao grupo Martifer. Não porque a empresa não seja viável (está provado que o é), mas por mera opção politica e ideológica. O saque ao País vai-se fazendo, aos poucos e poucos, sempre às custas de quem trabalha. Terminará, mais cedo ou mais tarde, e então regressaremos a 1975. Ajustaremos contas com o capital e nesse dia, como se diz por aí, Deus perdoa mas os trabalhadores não.

Autor Convidado *
João Moreira