John Bolton é um conhecido falcão de guerra estado-unidense. Fez carreira nas administrações dos EUA sempre na área da segurança, ocupando vários cargos, tendo sido embaixador na ONU e, mais recentemente, Conselheiro para a Segurança Nacional durante o mandato de Trump, tendo também passado pela NSA e pelo departamento de Justiça durante os anos de George W. Bush. O facto de ter sido também administrador da USAID durante o mandato de Reagan, deveria abrir alguma luz sobre o real trabalho que é feito por aquela organização, que ainda é vista por alguns como uma agência de promoção do desenvolvimento.
Bolton é o típico falcão de guerra. Fervoroso apoiante da guerra no Vietname, acabou por não ser destacado para combater naquele país, apesar de estar na lista para tal. Esquivou-se dos horrores da guerra ao vivo ao alistar-se na Guarda Aérea Nacional de Maryland. É muito comum entre defensores do militarismo e da guerra encontrar forma de escapar a ela para, no conforto dos gabinetes, definir a régua e esquadro quem deverá ir matar e morrer. O fascínio pela guerra e a defesa da superioridade divina dos EUA conheceu diversos episódios ao longo dos anos. Acusou Cuba da posse de armas biológicas em 2002, defensor da tese da existência de armas de destruição massiva no Iraque, contra o tratado de não-proliferação de armas nucleares, adepto das intervenções no Afeganistão, Síria, Líbia e, mais recentemente, manifestou apoio ao envio de militares dos EUA para a Ucrânia.
Escorregar e não cair
John Bolton afirmou, numa entrevista à CNN concedida nesta semana, que Trump não tentou fazer um golpe de Estado, usando o argumento de autoridade por ser alguém que ajudou a “organizar golpes de Estado… não aqui [nos EUA], mas noutros locais; dá muito trabalho”. A leveza com que esta confissão foi encarada e noticiada mostra como Gramsci continua atual na sua análise ao que chama Hegemonia Cultural. A existência naquilo que Marx definira como superestrutura. A classe dominante não controla apenas as relações de produção, mas também, entre outros, os órgãos de comunicação. É através destes que se forma, em grande parte o que se chama “opinião pública”. E é o seu controlo que nos leva a acreditar naquilo que querem que acreditemos, transformando os seus interesses em nossos. Sobre a assunção de Bolton, apenas artigos dispersos, pouco aprofundados, de constatação do que foi dito, ao contrário do que sucedeu na Rússia, China, Venezuela e noutros países. Aqui, não houve debates, não se questionou o papel dos EUA no sistema internacional, continuamos a levar com a propaganda da defesa dos direitos humanos e da paz por parte daquele país e, obviamente, do seu braço militar na Europa, a NATO. A par disso, somos bombardeados com declarações e condenações em nome de uma “comunidade internacional” que é, também ela, uma construção da Hegemonia Cultural. Não é mais do que o mundo branco e os satélites dos EUA na Ásia, Japão e Coreia do Sul. Qualquer posição assumida por estes países passa a ser vista e transmitida como a posição do Mundo em relação a qualquer coisa. Talvez por isso seja possível perceber porque é que tantos países fora desta invenção não condenem apenas a Rússia no conflito da Ucrânia, mas também os EUA e a NATO. Porque a maioria destes povos sofreu na pele o que são as operações desta aliança defensiva e a defesa da democracia dos EUA
O antigo normal
A única coisa que a pandemia veio trazer de novo, foi o agravar mais rápido das condições de vida dos povos. A guerra na Ucrânia, veio cavar um fosso ainda maior entre o pensamento crítico e quem tem a função de enformar a “opinião pública”. Tudo o que não vá ao encontro do guião do império, seja a favor do “nosso modo de vida”, a promoção da xenofobia, a limpeza da imagem de governos como o polaco, profundamente racista e xenófobo, mas que recebeu centenas de milhar de refugiados ucranianos, é imediatamente pró-Putin. Ser contra a existência da NATO é diferente de apoiar Putin e a invasão da Ucrânia. Aqueles que difundem esta teoria sabem-no e não o fazem inocentemente, seguem antes o que é imposto pela Hegemonia Cultural de que falava Gramsci. Voltamos, assim, ao antigo normal. Os EUA, um país que derramou sangue alheio em mais de metade do Mundo, podem assumir todos os crimes. Ninguém vai pedir um tribunal especial, acusar de crimes de guerra ou pedir sanções. Porque, enquanto as vítimas não forem brancas, não há empatia para ninguém.