Para lá do arco-íris – a Luta é dos trabalhadores

Nacional

Passado o mês de Junho, as calçadas ainda encrostadas de glitter puído, voltam as empresas à costumeira exploração a preto e branco.

Junho recebe o cognome de “mês do orgulho LGBTQIA+” em honra das manifestações de Stonewall ocorridas em Junho de 1969 nos EUA. Stonewall Inn, um bar nova-iorquino, era sujeito a constantes rusgas policiais e, na noite de 28 de Junho, alguém parece ter dito “não” através do arremesso de um tijolo ao corpo policial, desencadeando uma resistência em massa. O mito diz-nos que o tijolo iniciático foi propelido pela mão de uma mulher transsexual; a realidade não lhe acompanha o glamour pós-moderno: nem era Marsha P. Johnson uma mulher trans (havendo-se considerado sempre, a si próprio, um homem gay que se tranvestia), nem foi dele que partiu o ataque desencadeador da revolta. O mito serve décadas de apagamento da luta histórica, de importante impacto social e político, de mulheres lésbicas da classe trabalhadora, votando Stormé DeLarverie e um soco muito bem arremessado a um polícia ao infeliz esquecimento.

O “mês do orgulho” movimenta e alimenta hoje os grandes sectores económicos do nosso país e do mundo, deixando claro que interesses serve. As pessoas LGBTQIA+ afiguram-se-lhe apenas um (lucrativo) sector do mercado entre outros, pronto a consumir, pronto a fazer parte do modelo da família nuclear burguesa, pronto a explorar mulheres pobres no contexto das “barrigas de aluguer”, pronto a enriquecer com o suor dos trabalhadores. Temos t-shirts arco-íris fabricadas pela mão de obra infantil num país longe da vista, temos grandes sectores financeiros muito solidários com as questões LGBTQIA+, temos CEOs gays a explorarem trabalhadores com tanta perícia quanto CEOs heterossexuais, temos o lobby proxeneta metido ao barulho porque sim, temos batom para o cieiro em embalagem nas cores do arco-íris igualzinho ao normal mas ao dobro do preço.

A Marcha do Orgulho LGBTQIA+, que se vai manifestando por cada vez mais cidades do país e levando cada vez mais pessoas às ruas, despe-se de qualquer pretensão reivindicativa real remetendo-se ao reformismo mais burguês. Patrocinadores (bancos e cartões de crédito ao lado de empresas biofarmacêuticas, grandes operadoras de comunicações, aplicativos de transportes, de especulação imobiliária, etc.) e representantes de associações e forças partidárias variadas participam na impiedosa degeneração da luta por direitos democráticos nos mais vazios e reaccionários slogans que o neo-liberalismo nos vende. Se as aspirações e interesses de classe de uma mulher burguesa lésbica são irreconciliavelmente antagónicos das aspirações e interesses das mulheres trabalhadoras lésbicas, que consequência política tem a luta ao lado de quem nos explora?

A sigla vai grande, confundindo perniciosamente orientação sexual e identidade (de um lado gays, lésbicas e bissexuais, do outro pessoas trans, intersexo, queer, assexuais…). Estes desdobramentos identitários do pós-estruturalismo assombram hoje as conquistas da classe trabalhadora. O foco desmesurado em formas individualizadas de opressão, tentando diluir a luta de classes numa série de infinitas lutas individuas sem características comuns, ignora-lhes a causa real colocando o que nos divide acima do que nos une. Se a conclusão lógica desta infinita combinação de opressões e privilégios é a ilação de que cada pessoa tem interesses conflituantes, então a nossa organização revolucionária afigura-se impossível. Se se olha o indivíduo (i.e. o comportamento social e a linguagem) como a raiz da opressão, permanece-se cego em relação às causas vislumbrando somente os sintomas. Ora, nenhuma forma de opressão pode ser consequente e plenamente resolvida na sociedade de classes porque estas opressões são reflexo das contradições do capitalismo, não a causa.

Destacar e isolar os contornos identitários da classe trabalhadora coloca-nos em lados distintos da barricada e, aí, não conseguiremos mais que míseras concessões compatíveis com o normal funcionamento da sociedade capitalista. A ideia de representatividade desvela-se, neste sentido, disputa a todo o custo pelos espaços de poder, abstendo-se terminantemente de questionar estes espaços e o sistema que os sustem. Pelo contrário, só uma revolucionária e socialista perspectiva de classe pode servir verdadeiramente todos os trabalhadores e o povo, em todas as suas distintivas características, incluindo a orientação sexual.

Os gravosos tiques identitários do movimento LGBTQIA+ encerram-no, de modo grotesco, num essencialismo e idealismo estrangeiros às condições materiais da maior parte dos seus integrantes. O potencial interventivo das demandas por direitos civis plenos perde-se se não se assume uma postura de classe, que una aquelas demandas à luta mais ampla contra a opressão económica e social exercida pelo capitalismo sobre os trabalhadores e o povo. Somente a aniquilação absoluta da sociedade de classes poderá ceder a base material para o desmantelar do modelo da família nuclear que se consolida excludente de todas as outras possíveis formações e núcleos sociais básicos. Ensina-nos isso mesmo a Revolução Russa de 1917: com a real e efectiva emancipação da mulher – apoiada materialmente não só pelo direito ao voto, ao divórcio e ao aborto, mas igualmente pela concretização plena das funções sociais do Estado através de uma rede pública e abrangente de creches, refeitórios, clínicas, transportes, cultura, etc. -, abre-se-lhe a participação integral no espaço público, operando transformações profundíssimas na vida social da população que assim se libertava da tradicional autoridade familiar nuclear e concretizava novas formas de relações sociais (inclusivamente afectivas e sexuais, entre pessoas de qualquer dos dois sexos).

É, pois, na consciência de classe que se vislumbra um futuro mais justo, de igualdade plena e concreta, enfim liberto de todas as discriminações. Ergamos, juntos, a foice e o martelo como bandeira que une todos os trabalhadores e as suas reivindicações!