– 1:24 de 26 de Abril de 1986, durante a execução de um teste de segurança na Central Nuclear de Chernobyl explode o reactor número 4. Novamente a Humanidade será colocada à prova. Numa situação que comportará desafios e riscos humanos absolutamente aterradores pelo que se poderia calcular, e outros, então ainda inimagináveis.
Tendo em conta algumas testemunhas sobreviventes o desastre começa durante o teste de segurança, por erro humano, com a supressão absolutamente irresponsável do cumprimento de algumas premissas essenciais do Regulamento de Segurança Nuclear da União Soviética. Ou seja, os técnicos e engenheiros presentes(não todos) terão negligenciado na execução do seu trabalho de algumas normas de segurança, iniciando um processo em que erros de execução e seguintes erros de correcção se sucedem e agravando tudo até à explosão do reactor 4.
Após a explosão do reactor são logo chamados a intervir numa primeira linha os serviços de bombeiros da cidade vizinha de Pripyat(uma cidade construída de raiz para apoio à Central) que combatem as chamas como podem com milhões de litros de água e nitrogénio líquido. No centro do reactor 4 debaixo de 14 metros de destroços a grafite que revestia o combustível nuclear queimou-se e derreteu o urânio, a precipitação radioactiva que originaria seria cem vezes maior que a potência combinada das duas bombas atómicas lançadas sobre o Japão. Do reactor apenas ia saindo uma estranha fumaça fina, mas que já era a radiação.
Por esta hora ninguém teria noção exacta do impacto na Central do acidente e das iminentes consequências posteriores.
No dia seguinte a vida aparentava a normalidade possível. A cidade não foi evacuada e as primeiras equipas de técnicos, cientistas e engenheiros da URSS apenas agora chegavam a Pripyat e inclusive ficam instaladas num hotel em pleno centro da cidade. Anormal por então segundo os habitantes, apenas, um saber estranho na boca, meio metálico meio ácido. Já era o iodo radioactivo.
As medições começaram então a ser feitas, numa época em que a unidade de medida ainda era o Roetgen. Em 26 de Abril de 1986 o nível de radioactividade já era 600 mil vezes superior ao normal. Houve quem pensasse que as máquinas de medição não poderiam estar bem. E ninguém sabia no dia seguinte que o reactor continuava a expelir radioactividade. Nesse dia 26, em Pripyat a radiação já estava 50 vezes superior ao nível considerado inofensivo, a aproximação física ao local da Central aumentava exponencialmente os níveis de radiação e 15 minutos de proximidade poderiam ser fatais. Começa então a rápida evacuação da cidade e zonas limítrofes. A radioactividade continuava a subir.
48 horas depois já só os militares e membros da comissão cientifica permanecem em Pripyat, no mesmo hotel em pleno centro, provavelmente continuavam a desconhecer a real gravidade da situação e respectivos impactos. Perante as medições da radioactividade e os sucessivos alertas que começam a chegar, inclusive de países vizinhos, procurou-se informação precisa e o estabelecimento de medidas prioritárias. A observação do reactor confirmou a explosão e a sua destruição.
A URSS decide então lançar sobre o reactor, através de helicópteros, areia e chumbo aos milhares de toneladas em sucessivas viagens. Bravos pilotos condenam a sua vida a brutais níveis de radiação sob os céus da Central, muitos perecerão em pouco tempo. Por esses dias seguintes começam a surgir as primeiras vitimas civis e militares por exposição à radiação. Primeiro as náuseas e as tonturas, depois as queimaduras e depois os piores horrores que o ser humano pode passar.
As partículas radioactivas começam a cair com as chuvas, os ventos vão destruindo paisagens e florestas, as poeiras radioactivas espalham-se, a Bielorrúsia e a Ucrânia são imediatamente afectadas. Países a milhares de quilómetros sentiram os seus níveis radioactivos subir.
O ataque aéreo tornava-se insuficiente, nem paliativo, seria mesmo necessário entrar na Central. Mineiros(cerca de 10 mil, trabalhando por turnos, de idades compreendidas entre os 20 e os 30 anos) e Engenheiros teriam de entrar, escavar túneis subterrâneos, selar fissuras, retirar materiais. Como se referiu, algumas das primeiras medidas tomadas revelaram-se inócuas e até posteriormente prejudiciais em alguns aspectos.
Os lençóis subterrâneos por baixo da Central estavam em grande perigo ameaçando os rios que atravessavam e serviam algumas grandes cidades. Era urgente restabelecer a todo o custo as temperaturas dentro da central pois uma nova explosão poderia condenar toda a vida humana num raio milhares de quilómetros em poucas horas, era este o maior perigo.
A radioactividade constituía um inimigo invisível e absolutamente aterrador, a Central uma ameaça sem precedentes.
Liquidadores, Heróis da Humanidade
Toda a União Soviética foi mobilizada, todos os recursos se viraram para o controlo possível da catástrofe.
Perante a catástrofe e o holocausto eminente, cerca de um milhão de cidadãos vindos de toda a URSS vêm para a região de Chernobyl participar nas infinitas tarefas de limpeza nuclear. Militares e civis, muitos voluntariamente, de todas as profissões, idades e repúblicas soviéticas, faziam o melhor que podiam. Era preciso limpar a poeira radioactiva que tudo cobria, liquidar os animais para evitar contaminações, enfim um conjunto enorme de tarefas perigosíssimas. A alcunha deste heróis era Liquidadores. Eram os Liquidadores e a sua missão era liquidar, acabar com a radioactividade.
Estariam constantemente cobertos de poeira radioactiva, estariam expostos a níveis de radioactividade brutais e que se desconhecia em precisão e cujas consequências poderiam ser as piores possíveis. Estes homens e mulheres já sabiam ao que vinham. Sabiam o que deixavam para trás nas suas casas e ao que provavelmente se condenavam. E de facto muitos não sobreviveram e muitos sofreram(e sofrem) terríveis sequelas para sempre.
Em diversas tarefas, os níveis de radiação destruíam as próprias máquinas que as executavam, e então os próprios Liquidadores substituíam máquinas. Ganharam também assim a alcunha de “bio-robots”.
O imenso sacrifício dos Liquidadores, o seu sentido de responsabilidade, a sua dádiva à Humanidade é impossível de adjectivar. Algo que apenas se tenta perceber e sentir.
Após as primeiras linhas de trabalhos junto do reactor se terem manifestado úteis e imprescindíveis para alguns riscos, continuavam no entanto a ser globalmente insuficientes, era agora preciso atacar o coração do reactor 4, ir ao seu cimo e iniciar os trabalhos para a construção de um sarcógafo que pudesse, dentro do possível, selar todo o reactor.
Nunca um projecto destes tinha sido feito, seria necessário projectar e construir uma estrutura colossal num lugar onde humanos apenas poderiam trabalhar durante segundos, literalmente segundos. Era preciso levar homens e máquinas ao topo do reactor e para isso até instrumentos e robots do projecto espacial soviético chegaram a ser utilizados. Para a construção do sarcófago foram necessários 1000 metros cúbicos de cimento.
Todo o trabalho realizado desde a explosão até à construção do sarcófago, já teria custado financeiramente, 18 biliões de rublos.
3 Heróis
A dado passo foi necessário retirar a água de uma piscina radioactiva que se formou no interior da Central, devido ao perigo de corrosão radioactiva e posterior infiltração nos solos, era absolutamente necessário abrir uma válvula que permitiria a passagem dessa água para outro espaço já seguro. O problema é que essa válvula estava dentro dessa piscina e quem lá fosse provavelmente já não regressaria.
O Técnico Alexei Ananenko, o Engenheiro Valeriy Bezpalov ofereceram-se. Ainda assim precisavam de mais uma pessoa para apoio, pelo que um jovem trabalhador da Central terá dito “Eu vou com vocês”, o seu nome era Boris Baranov.
Foram e cumpriram a missão salvando tecidos de água que abasteciam alguns dos principais rios da Europa e da URSS.
Sobre o que se passou após cumprirem a missão não se sabe precisamente, existindo apenas alguns rumores. Um primeiro, segundo o qual nunca chegaram a regressar, e outro rumor de que regressaram mas que pouco depois terão falecido por síndrome radioactivo.
7 meses após a explosão e o início dos trabalhos com a conclusão da construção do sarcógado da Central e a limpeza da área, as autoridades militares após se ter enfrentado níveis gigantescos de radiação, limpado toda a grafite e realizado tarefas tão heróicas consideraram ser necessário um acto simbólico para a conclusão dos trabalhos, decidiram hastear a bandeira soviética no topo da Central.
Para o jornalista Igor Kostin que acompanhou todo o processo “hastear a nossa bandeira ali foi como hasteá-la no Reichstag quando Exército Vermelho derrotou o fascismo, para aqueles soldados a bandeira era um símbolo do triunfo sobre a radioactividade”.
…
O preço do desastre de Chernobyl de que se assinalam 30 anos, muito resumidamente, é incalculável sob todos os aspectos. Eventualmente até para a própria existência da URSS.
Os impactos ambientais e humanos do desastre continuam a fazer-se sentir até aos dias de hoje.
O sarcófago foi construído para resistir precisamente 30 anos. E aparentemente tem aguentado a sua tarefa, estando em construção um novo que o cobrirá. E para acrescentar um pouco mais de incrível…a verdade é que até há poucos anos, o resto da central Nuclear de Chernobyl ainda funcionava, aliás, nunca parou de funcionar…
* Autor Convidado
Filipe Guerra