Assinalado Abril, mais uma vez, observamos na sociedade portuguesa, em diversas estruturas, institucionais e não institucionais, académicas, sociais, culturais e largamente na comunicação social dominante, persistentes tentativas de reescrita da História, de branqueamento do fascismo, de falseamento ou ocultação de papéis e responsabilidades, e , até, tentativas de denegrir a própria Revolução.
É necessário relembrar o fascismo, proteger a memória da Revolução e transformar esta memória numa força presente.
Tempo de trevas
Cumpre lembrar a natureza do regime que ela destruiu, que a ditadura fascista era o governo terrorista dos monopólios e latifúndios, agindo num quadro de capitalismo monopolista de Estado. Com o desenvolvimento de políticas como a re-organização industrial de 1945, o Fomento Industrial de 1972, o Plano Intercalar de Fomento, ou ainda o Estatuto do Trabalho Nacional inspirado na Carta del Lavoro de Mussolini em Itália, criavam-se as condições para a concentração de poder e capitais, a partir do próprio aparelho de Estado, das suas instituições e legislação. Consumava-se o domínio do país pelos grandes grupos económicos monopolistas, era o tempo dos Mellos, dos Espírito Santo, dos Champallimaud entre outros.
O fascismo desenvolveu a exploração dos trabalhadores e das riquezas naturais do país e das colónias, fomentou as mais gritantes desigualdades económicas e sociais, proporcionando o crescimento de um conjunto de pouquíssimos grupos económicos que explorando simultaneamente as riquezas do país e os trabalhadores, parasitavam dentro do próprio Estado, dominando-o e colocando-o ao seu serviço.
No plano internacional, foi um regime que se inspirou no fascismo de Mussolini, que apoiou abertamente a Espanha de Franco, que colaborou estreitamente com a Alemanha nazi, que participou como Estado fundador da Nato, et caetera. E como tal, foi suportado e apoiado pelas grandes potenciai imperiais como os Estados Unidos, a Inglaterra e França.
No país suprimiu-se a liberdade de expressão, de reunião ou de manifestação, Portugal era o país da mais bárbara exploração do trabalho, ainda com reminiscências do feudalismo nos campos, era o tempo da pobreza massificada e da caridadezinha elevada a política de Estado, era o país do trabalho infantil, da mais alta mortalidade infantil, dos mais vergonhosos índices de analfabetismo, com uma vida cultural e académica condicionada pelo obscurantismo e censura, era então também certo e sabido que o acesso à Educação e à Saúde dignas era só para alguns, era o tempo da emigração em massa e sob as mais penosas condições(cerca de 1 milhão e meio de emigrantes só entre 1961 e 1973), era o tempo em que a juventude partia para uma guerra colonial injusta e sem solução(de que resultaram 8000 mortos e 30000 feridos).
Por cá, ainda, era também o odioso tempo da Legião e da Mocidade Portuguesa, da PIDE e da DGS, da censura e perseguição políticas, dos exílios, das prisões, das torturas e dos assassinatos.
Contudo, os 48 anos de fascismo foram também um tempo de resistência. Uma resistência corajosa, digna, filha do povo e dos trabalhadores e que muito honrou Portugal. Uma resistência ao longo de 48 penosos anos sob diversas circunstâncias e momentos, atravessando diversas fases. Falamos da resistência da classe operária, dos trabalhadores e das camadas anti-monopolistas pelo Direito ao trabalho e ao pão, de muitos patriotas e democratas honrados que se inquietavam com a situação do país, referimo-nos às candidaturas de Norton de Matos ou de Humberto Delgado ou aos Congressos da Oposição Democrática, entre outras expressões de Luta.
Abril
O dia 25 de Abril de 1974 foi o culminar de 48 anos de resistência. As condições objectivas e subjectivas para a Revolução conjugam-se e o movimento dos capitães, rapidamente secundado pelos trabalhadores e o povo põe fim à desgraça do país que dura 48 anos, avançava a Aliança Povo-MFA.
Foi o regresso da Liberdade e o tempo das conquistas, como a Liberdade de reunião, de manifestação, de associação, de expressão e da imprensa, de Liberdade sindical, foi o tempo da reforma agrária, das nacionalizações e do controlo operário, do Direito à greve, as eleições livres e a livre formação dos partidos, o voto aos 18 e para todos, o nascimento do Poder Local democrático. Nasciam o Salário Mínimo Nacional, os subsídios de férias e de natal, o subsídio de desemprego, pensões e reformas generalizadas, igualdade de direitos para as mulheres e Direito à licença de maternidade, os Direito à Saúde, à Educação e à Segurança Social, a Liberdade de criação e fruição culturais, diversificação de relações externas e o fim do isolamento internacional do país, a melhoria generalizada das condições de vida do povo. Nascia em 1976 a nossa actual Constituição, uma das mais avançadas do Mundo.
O que em tanto tempo foi um sonho transformou-se em vida.
Presente
42 anos depois, a Revolução provou-se inacabada, a contra-revolução, e os sucessivos Governos de direita pela mão de PS, PSD e CDS, ameaçaram e condenaram muitas das conquistas da Revolução(nomeadamente no campo económico), num período caracterizável de recuperação capitalista, que deixou novamente o país votado ao atraso económico, social e cultural, aos sucessivos défices e recessões, susceptível a toda a sorte de ingerências externas, conduzindo-o assim a crescentes injustiças e desigualdades e à degradação generalizada das condições de vida do povo português.
Não obstantes tímidos passos recentemente concretizados, a presente situação política, social e económica, permanece sombria. Consequência imediata de décadas de recuperação capitalista, de recomposição de ferozes sectores reaccionários, agravada por uma situação internacional absolutamente desequilibrada em benefício das potências imperiais e onde a guerra e o esmagamento económico são soluções quotidianas.
Ainda assim, não obstante a situação, se há lição histórica que a Revolução e os seus construtores deixaram ao longo dos 48 anos de luta, resistência e construção revolucionária é que as transformações demoram, são de sinuosa construção, momentaneamente podem até apresentar-se contraditórias e obrigando a uma plena compreensão da realidade, da natureza estritamente parcelar de objectivos imediatos rumo aos finais, da justeza da causa e do papel que todos devem ter no processo.
Mas que nunca as agruras do presente nos levem a memória, que das inquietações se reforce a energia revolucionária, que Viva Abril!
* Autor Convidado
Filipe Guerra