Os mártires de Odessa

Nacional

Há muitos anos atrás, não pude evitar as lágrimas quando vi o filme italiano Novecento. Numa das cenas, que retrata os anos 20, vários idosos aprendem a ler e a escrever numa escola promovida pelo Partido Comunista Italiano. Somos arrebatados pela alegria de quem entregou toda a sua vida ao trabalho no campo e vive agora de brilho nos olhos a aprender o que a burguesia sempre lhe havia negado. Até que a escola é engolida por um mar de chamas quando os fascistas lhe pegam fogo. Na tragédia, morrem carbonizados vários camponeses que ali estudavam. É nas ruas da vila que segue o rio de lágrimas dos que caminham na marcha fúnebre de lenço vermelho. Os restos mortais envoltos em panos vermelhos jazem numa carroça aberta para que das janelas se possa ver a obra do fascismo.

Quantas vezes nos perguntámos como terá sido possível a tomada do poder pela oligarquia através do terror impondo o fascismo como sistema político? Na verdade, ela já lá estava. A burguesia era o poder e sentia-se acossada pelo avanço das forças revolucionárias sob influência da revolução de Outubro. O salto para o fascismo foi a resposta terrorista do Estado burguês ao avanço do movimento operário. E é tão ingénuo pensar que tal coisa não seria hoje possível como ingénuos são todos aqueles que não perceberam a lição que nos dá a imprensa que noticia o que aconteceu em Odessa.

Sob os escombros e os corpos carbonizados dos que foram assassinados pelos fascistas na Casa dos Sindicatos, jaz a mesma verdade que no filme de Bertolucci. Os porta-vozes das oligarquias norte-americana e europeia exaltam os responsáveis políticos pelo que se passou em Odessa. As televisões, rádios e jornais tratam o assunto de forma vaga e pouco precisa tentando dar a entender que foi o resultado de uma escaramuça e que todos foram culpados. E assim, vemos como avança a minhoca e como apodrece a maçã. Porque não, não é por acaso que perante a mais grave crise do capitalismo a oligarquia económica e financeira se amedronte com o fantasma do fim da União Europeia, do reforço do capitalismo noutras potências dissidentes, da reorganização e avanço do movimento operário nalguns países. E que, como sempre, a guerra seja a saída mais limpa para que os bolsos de alguns não fiquem vazios dos sacrifícios da maioria.

Para já, a comunicação social cala o que os livros de história falarão um dia: em Odessa, os bárbaros não foram só os que mataram, foram também os que mentiram.