Muito justamente, existe indignação sobre a venda pelo estado de 85 quadros de Joan Miró. Estes foram avaliados, quando eram ainda posse do BPN, em 150 milhões de euros. Em 2008, quando o então Governo socialista anunciou a “nacionalização” do banco, o Estado herdou a colecção. O Governo de Passos prepara-se para vender a colecção, através da leiloeira Christie’s, esperando auferir apenas cerca de 35 milhões de euros. E não, a perda de valor não foi porque ganharam mofo.
Esqueçamos por momento todo um conjunto de detalhes caricatos em torno destas obras, como a sua saída ilegal de Portugal, ou o facto de nunca ter sido mostrada ao público português. Este episódio revela uma desvalorização da cultura, tratada como mais um tipo de mercadoria e negócio. E mesmo nesse enquadramento, uma enorme falta de visão sobre a rentabilização financeira da cultura. Este espólio poderia ser capitalizado através do turismo. Mas isso leva-nos a identificar dois traços trágicos do actual Governo.
(1) uma cegueira para o potencial lucrativo a médio- longo-prazo, com exclusividade dada à receita rápida, ainda que esta implique efectivamente uma perda. É a obsessão com o défice a sacrificar futuros rendimentos, necessários para saldar contas no futuro.
(2) uma pilhagem dos bens do Estado, de todos nós, com entrega, e em muitos casos oferta, a privados, nacionais e estrangeiros.
Estes traços são também evidenciados nas privatizações de empresas, em particular empresas de sectores estratégicos, como foram os CTT. Classificando esta privatização como um crime económico,Bruno Dias, deputado do PCP, afirmou na AR:
No plano das contas públicas, o Estado perde as receitas dos dividendos que deixa de receber e perde ainda receitas fiscais, agravando o défice orçamental. Mas, mais que isso, perde o comando do controlo estratégico de um serviço público que é um factor fundamental de desenvolvimento e qualidade de vida, de coesão territorial na ligação às regiões, tantas vezes o último serviço que restava nas povoações e o único contacto regular que tinham populações isoladas e abandonadas por sucessivos governos.
Ao vender os CTT na bolsa de valores, o Governo pretende transformar um serviço público num negócio privado, num processo verdadeiramente escandaloso, de submissão total do interesse público, em que tudo vale para favorecer este vergonhoso negócio.
O Governo prepara-se agora para privatizar a Empresa Geral do Fomento – EGF, empresa pública de gestão de resíduos, integrada no grupo Águas de Portugal. Afirma que a receita da privatização poderá ascender a cerca de 200 milhões de euros. Mas a EGF é uma empresa rentável, com lucros acumulados nos últimos 3 anos de 62 milhões de euros, e tem um património avaliado em cerca de 1000 milhões de euros, tecnologia avançada e trabalhadores qualificados. Só em 2012 investiu perto de 45 milhões de euros. (Informação do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local, STAL; assina a petição em defesa da gestão pública dos resíduos.)
Mais uma vez, perda de rendimento seguro, investimento feito, controlo de um sector estratégico em troca de uma receita rápida pontual. Não será tão artística, nem se pode exibir pendurada numa parede, mas a EGF também é um quadro do Miró.
* Autor Convidado
André Levy