Palavras (novas), para quê?

Nacional

No nosso manifesto comprometemo-nos a lutar “contra a exploração e o capitalismo e contra as máscaras que os ocultam”. Hoje apetece-me desmascarar. A linguagem é uma das ferramentas mais eficazes para ocultar seja o que for, e todos os dias, e cada vez mais, somos bombardeados com palavras e expressões que mais não são do que complicadores de informação e suavizadores da realidade.

A newspeak (novilíngua) inventada por George Orwell em “1984”, é criada para que os membros daquela sociedade esqueçam os conceitos associados a algumas palavras da oldspeak (antilíngua), o inglês normal. Orwell não era vidente, mas se fosse vivo ficaria extremamente orgulhoso com a recriação em curso na linguagem. Desde que esta suposta crise se iniciou, aqueles que exploram e que se ocupam em mascarar e reinventar o capitalismo, bombardeiam-nos com novas palavras que ajudam a esconder conceitos e significados antigos.

Substituir trabalhador por colaborador é querer enganar quem vive da sua força de trabalho e é errado, se quisermos ser sérios com a nossa língua, com ou sem acordos. Uma passagem pelo dicionário mostra-nos, entre outras definições mais específicas, que colaborador é uma “pessoa que trabalha com outra em iguais circunstâncias de iniciativa”. Um trabalhador por melhor que se dê com o seu patrão e por mais que acredite no seu trabalho é alguém que se insere numa hierarquia de funções desiguais. A menos que esteja em curso um projecto que pretenda autogestionar todas as empresas e fábricas do país, não me parece que a língua portuguesa e os trabalhadores estejam a ser respeitados.

Ter iniciativa própria é algo que existe desde que o Homem é Sapiens Sapiens, e se calhar até antes. Não precisamos do empreendedorismo para nada. E principalmente não precisamos que ele seja ensinado nas escolas, é que para sermos empresários já há cursos de gestão empresarial, para sabermos publicitar bem os produtos que vendemos ou produzimos já há cursos de marketing e publicidade. E se não quisermos ou não tivermos meios para chegar aos bancos da faculdade, só temos de observar como fazem os outros e colocar em prática o senso comum, ferramenta muito pouco utilizada nos tempos que correm, infelizmente. Os casos de sucesso de pessoas que nada tinham e que agora têm demais, também nos entram frequentemente pelos olhos dentro, e muitas dessas pessoas começaram com a roupa do corpo, a barriga a dar horas e o senso comum desperto.

E a precariedade? Apesar de ser uma palavra que entrou, e bem, no nosso léxico corrente, serve hoje em dia para caracterizar todo o tipo de trabalho e de vidas que não corresponde ao que a luta dos trabalhadores foi impondo: trabalho com direitos. O que começou com os vínculos passou para o dia-a-dia, e os Cartolas do dinheiro viram aqui uma bela oportunidade, um dois em um: aumentaram a precariedade laboral exponencialmente até a um ponto em que, em muitos casos, a precariedade mais não é que escravatura. Analisando a História já muitos escreveram que os trabalhadores precários são os novos escravos e que os patrões e o capitalismo refinaram o seu modo de actuação. É que manter escravos é chato, é preciso alimentá-los e dar-lhes um tecto, manter precários dá menos chatices, quando queremos livramo-nos deles e às vezes nem lhes pagamos, que isso de salário é um luxo.

Depois da queda do muro de Berlim e da derrota de vários Estados que tentavam criar sociedades socialistas, a palavra globalização serve para camuflar o capitalismo imperialista. O pacto de Varsóvia até já só existe nos livros de História, mas a NATO continua viva e activa. “Ó André, mas a globalização corresponde à era da informação para todos e da internet massificada!”, pois, massificada para quem tem massa, graveto, dólares ou euros, que moedas africanas, sul-americanas, e asiáticas continentais não servem para pagar a internet, certo? A globalização é apenas a vitória do capitalismo imperialista e a possibilidade de vermos na televisão ou na net que se emigrarmos para outro país também podemos ser explorados de formas muito similares às do nosso país de origem.

E a lista é infindável, e o seu fim é mais longínquo ainda se acrescentarmos os anglicismos financeiros e económicos, mas sobre isso nem vale a pena escrever, os “Gato Fedorento” já trataram de simplificar esta patranha neste genial sketch, ou quadro, se quisermos usar uma palavra portuguesa de tradição revisteira:

Pessoa que trabalha com outra em iguais circunstâncias de iniciativa.


“colaborador”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/colaborador [consultado em 10-12-2013].
Pessoa que trabalha com outra em iguais circunstâncias de iniciativa.


“colaborador”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/colaborador [consultado em 10-12-2013].

Os comunistas e as outras pessoas de bem, devem utilizar linguagem clara e simplificar a que está complexificada. É por isso que ao Memorando de Entendimento Sobre as Condicionalidades de Política Económica (ufa, o nome é grande, mas é verdade) chamamos Pacto de Agressão, porque é isso que faz aquele papel, agride.

Não precisamos de palavras ou conceitos novos, na análise que fazemos chegam-nos os que já existem porque as condições de vida e as relações sociais evoluíram, mas não se alterou a dicotomia entre quem trabalha e quem vive do trabalho de quem trabalha. Não precisamos de palavras novas para caracterizar explorações antigas. Falamos para iguais, não queremos transformar a política numa actividade apenas ao alcance de iluminados que têm tempo para inventar dialectos e aprender inglês técnico. Trabalhamos em conjunto para que um dia sejamos todos e todas colaboradores de pleno direito, no trabalho e no dicionário.

Autor Convidado *
André Albuquerque

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