Pedido de aclaração? É a Constituição, estúpido!

Nacional

Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa.

Não há qualquer pudor ou vergonha, as garras estão de fora.

A raiva que os consome é uma, já há muito tempo, e emana da vontade popular traduzida na Constituição da República Portuguesa – é tempo de ajustar contas com a Lei Fundamental e com os valores de Abril. Cavaco, Bagão Félix, Teresa Leal Coelho, Pinto Balsemão, Paulo Portas, Passos Coelho, Teresa Anjinho, Poiares Maduro, Luís Montenegro – alguns dos deputados e ministros (ou ex-ministros) do PSD e do CDS que, nos últimos cinco dias, afrontaram a Constituição e o Tribunal Constitucional.

Entre críticas aos juízes (que são nomeados na sua actual composição por PS e PSD) que não se adequam à sua concepção filosófico-política, que têm decisões políticas (as mesmas decisões que aprovaram 83% das medidas de “austeridade”), que condicionam o povo português, que causam desigualdade de tratamento dos trabalhadores, que têm consequências porque declaram a inconstitucionalidade das normas até à idiotice inominável do «pedido de aclaração» para de seguida fazer queixinhas apontando o dedo ao Tribunal Constitucional por estar a aprovar o tratamento desigual, tudo se resume a isto: PSD e CDS querem revogar a Constituição da República Portuguesa.

Porque a habitação não pode ser para todos. A educação só para os filhos dos ricos. A cultura é das elites. O trabalho não é um direito, é um dever e deve agradecer-se aos patrões. A liberdade sindical deve deixar de existir juntamente com a contratação colectiva. Os direitos de reunião e manifestação só podem ser exercidos mediante autorização. O direito à vida começa no primeiro dia de gestação. A saúde é só para quem a pode pagar.

Na prática, tudo isto tem sido sentido de facto. E não tem sido o Tribunal Constitucional o garante da Constituição. Têm sido os trabalhadores, as populações e as suas lutas. As lutas contra os encerramentos de serviços públicos, as lutas pela escola pública, gratuita, de qualidade e democrática, a luta contra o encerramento dos tribunais, as sucessivas manifestações que enchem as ruas com mares de gente. A luta de cada trabalhador no seu local de trabalho, as lutas das mulheres. Porque todos estes sabem que têm na Constituição um esteiro inabalável e não estão dispostos a cedê-lo. Muito menos a este bando de gangsters.

A proliferação de abstrusidades proferidas por este governo parece não ter fim. Além de não existir um único Orçamento sem inconstitucionalidades, ainda culpabilizam a Constituição pela criação de desigualdades.
O lamentável episódio do último Acórdão, transformou o panorama político numa autêntica novela:

Depois do pedido de aclaração (???) o TC considera que o pedido não tem qualquer fundamento, indeferindo-o.
Poiares Maduro e membros do PSD e CDS apressam-se a atribuir culpas ao TC e a dizer que a sua decisão prejudica os portugueses e que o governo não irá pagar os subsídios de férias sem cortes se estes já tenham sido pagos em Maio aos trabalhadores.
O TC reage via comunicado afirmando que estão a ser retiradas ilações pelo governo que não correspondem ao indeferimento.
O Governo emite um comunicado a esclarecer que, afinal, serão pagos subsídios de férias da totalidade.

Tudo isto em menos de 24 horas: um digladiar inadmissível entre órgãos de soberania e os seus representantes. Todos estes que afirmaram:

Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa.

Entretanto, não esquecemos, não perdoamos, resistimos e lutamos. Enquanto seguem as guerras palacianas, o povo continua na rua, a lutar. Sabendo que estamos a ser fustigados, «mas estamos a ser fustigados no peito, não pelas costas.». Mas não vergamos. Cumpra-se, pois, a Constituição.