O Povo já vos demitiu

Nacional

Hoje Passos Coelho deu-nos a enésima evidência de que a democracia é para abater. Quando declarou, na Assembleia da República, que os juízes do Tribunal Constitucional não têm condições para continuar a ocupar o cargo, o Primeiro-ministro insinuou um golpe de estado.

Violou de forma clara o artigo 111º sobre a separação de poderes da lei suprema do Estado e ultrapassou de forma irreparável os limites da legalidade constitucional. Passos Coelho sabe que toda a lei e qualquer poder derivam da Constituição e decorrem do Povo, mas também sabe que a súcia que encabeça está há muito tempo fora da legitimidade democrática e da normalidade constitucional. Agora não é só um mero governante fora-da-lei. É um golpista apossado.
A sugestão do afastamento ilegal de juízes que são, por força da Constituição, inamovíveis (artigo 222º) suscitaria demissões céleres em qualquer democracia saudável. Mas para nossa desgraça, o Presidente da República pactuará com o golpe até às últimas consequências. Cavaco Silva cuspiu no seu próprio juramento de fazer cumprir a Constituição e só é fiel perante o seu verdadeiro dono: a banca e os grandes grupos económicos. O seu feriado não é o 5 de Outubro nem o 25 de Abril. É o 10 de Junho e o 28 de Maio.

Se dúvidas sobrarem sobre a natureza do golpe em curso, debruçemo-nos sobre o alcance dos seus argumentos legitimadores: “É preciso incumprir a constituição porque era pior cumpri-la”. Este aforismo não conhece limites nem se condói de preocupações democráticas, só lhe interessam os misteriosos desígnios do Deus-Mercado. Mas e então quando o calendário eleitoral “for pior para a economia”? Acabam as eleições? E quando as greves e as manifestações “criarem uma incerteza que nos prejudica gravemente”? E quando os partidos estorvarem as contas públicas? E quando os comunistas “forem prejudiciais ao equilíbrio orçamental”?

Do brejo das certezas inabaláveis, talvez haja quem se ria destas inquietudes, arreigando os olhos às horas e sem ousar olhar para trás. Mas quer a concretização do golpe seja a curto ou a longo prazo, é um facto indesmentível que, nos corredores do governo, se movimentam já forças que já sonham com esse dia.

Se o Presidente está com os golpistas, todo o poder, incluindo o poder de dissolver a Assembleia da República regressa ao Povo, o primeiro titular da soberania e a fonte de todo o poder e autoridade.
O Povo já demitiu inequivocamente o governo, só falta desalojá-lo. Lembremo-nos disso nas lutas que temos pela frente, desde a deste sábado àquelas e quaisquer que Abril pedir.