O Pedro Rolo Duarte foi militante da União dos Estudantes Comunistas. Tinha 13 anos, chumbou o ano por faltas e a Geninha Varela Gomes teve que aguentar a fúria da Maria João Rolo Duarte. Com toda a razão de mãe, a mãe do Pedro, por sinal nossa mãe, desfiava o sermão para a controleira do Pedro e gáudio do António, o mano velho e minha alegria chilreante. Ouvíamos escondidos e ríamos que nem uns perdidos porque o puto charila tinha sido apanhado e o que se adivinhava seria um castigo daqueles muito bons, reconfortantes para todos os irmãos que se querem irmãos embirrantes, irritantes, chatos como a potassa (expressão misteriosa, o que terá a potassa para a destratarem assim?). E não, o Pedro não foi castigado e aqui se percebe como a vida é injusta.
Passado um tempo de nada e o Pedro, pela mão do Miguel Portas, passou a controlar os putos charilas comunistas do Liceu Camões. Fora promovido e nós, os manos, assistíamos ao ensaio das intervenções do nosso miúdo. Eu aplaudia e o António atirava-lhe com cascas de amendoim. Era o tempo em que todos roubávamos cigarros SG Ventil ao pai Rolo Duarte. Abria-se o pacote por baixo, sacava-se um ou dois cigarritos, voltava-se a fechar o pacotinho prateado, agitava-se aquilo, cola no fundo e pronto. A operação delinquente era paga a peso de ouro a quem explorava a mina.
Tudo isto para dizer que o Pedro zangado com o Partido Comunista, como ele mesmo se encarregou de contar, foi uma das inúmeras formas de se revelar independente de tudo e todos. O miúdo armado em homem.
O gozo fraternal evoluía. Nas férias em Sintra, enquanto eu lia Artaud, clarôoo, pés nus contra a parede e o António limpava a VéloSolex continuavámos a mandar vir uns com os outros.
– A culpa disto tudo é do Portas…
– Vai-te catar! Estúpida…
– Vou cantar, vou «Il ne sait pas les feux des havres de la terre»
– Caluda, intelectuais do fundo de quintal!
E os dias corriam mansos e parvos, tranquilos para nós e ruidosos para os pais e que paciência tinham para os 3 manos ainda e apenas Duarte.
Quando o nosso pai partiu, decidimos adoptar o apelido Rolo Duarte porque até ali assinávamos Duarte sem Rolo, por respeito. Aquela passagem para a vida adulta, bruta, o Rolo Duarte em cada um dos nossos nomes foi sofrido. Recordo-me do Pedro ao meu lado na despedida do pai e do beijo que demos na caixa de madeira. Recordo-me de ver a mãe, a nossa mãe resistente, sobrevivente, a grande primeira jornalista portuguesa de desporto, o nosso apoio, a mãe ao longe e o António a segurá-la. Por esse tempo, todos votávamos no Partido Comunista. Até o puto charila zangado com o Partido. Aliás, eu perguntava sempre: votaste bem? Se calhar diziam-me sim-sim só para não me ouvirem a mandar vir. Ocorreu-me, agora mesmo, este pensar e sorrio.
Bom, se conseguir um bom resumo, ei-lo: o Pedro não é apenas o jornalista criador do DNA, o dos primeiros passos no Correio da Manhã que coincide com a RTP, a revista Capa, O Independente, entrevistas, rádio, o filho do seu pai e, mais tarde, o pai do seu filho. O irmão que aparecia com regularidade nas revistas pink lotion. Foi mais que isso. A vida dele acompanhou, infelizmente, a caída dos jornais. Nestes tempos cinza escuro, antracite, dias de carvão, o trabalho do Pedro dependia do cuidado da palavra escrita. Era vulgar ler-lhe trivialidades. Tornou-se, de resto, um quase especialista nesta matéria que cai bem em qualquer pano, não incomoda, as pessoas apreciam e é citável sem mácula. Para trás teriam ficado os deserdados, os chutados para canto, os que nada tinham e têm? Não. Se forem ver para trás, «está lá tudo» como diz o outro.
Ser ou não comunista? O Pedro foi militante, eu nunca por nunca e sem adversativa apoio o Partido que ouve quem trabalha, que não se cala e que nunca se cale perante toda a injustiça que não a morte de quem viveu bem. É e sempre será o esquecimento daqueles que ninguém lembra em vida. Os escritos do Pedro e acima disto a vontade que ele tinha de inventar e deixar inventar era a sua maior qualidade. Única. Rara. Tudo o que escrevi para as publicações dirigidas pelo Pedro nunca sofreram uma só alteração, um só reparo. Hoje, o Pedro Rolo Duarte não poderia escrever como antes e aceitar publicar, à vontade, quem escrevia, desenhava, fotografava; viesse de onde viesse, fosse quem fosse. E é este o Pedro comunista. O puto charila militante da União dos Estudantes Comunistas no ano de 1977.
O meu irmão.
*Autora Convidada
Fátima Rolo Duarte
28 Novembro, 2017 às
Os meninos das avenidas e do Liceu Camões são os mesmos que descracreterizaram o partido e ainda vêm como beneplácito do mesmo fazer homenagens aos meninos das "avenidas" ou de outra parte central com Geninhas Varela Gomes que os arrabaldes são para os proletas.
15 Dezembro, 2017 às
Os meninos das avenidas e do Liceu Camões são menos que os outros meninos? Que curiosa forma quadrada de ver o mundo… Continuai assim na berma do abismo pois em seguida só falta o passo em frente. Com o maior respeito, mas o que vens aqui comentar não interessa nada de nada.
27 Novembro, 2017 às
Obrigado pela partilha. Não conhecia o Pedro pessoalmente, mas, é com emoção que partilho a vossa dor.
O Pedro era um grande homem.
Luís Lopes
27 Novembro, 2017 às
maravilha
obrigada pela partilha