Em castelhano diz-se no plural, esquerdas e direitas. É difícil perceber porquê. Imaginam de forma linear um espectro seccionado? Ou será uma ideia bidimensional? Nesse caso seriam indispensáveis duas coordenadas para situar alguém politicamente. Em inglês falam em alas, o que indicia a necessidade de um corpo principal. Em português e em francês basta o singular, esquerda e direita. Bem sei que se apontam origens para isto, diversas até. Os discípulos de Hegel que se juntavam à esquerda e à direita do filósofo, consoante se tratassem de materialistas ou idealistas. Uma outra explicação refere os locais onde se sentavam, na Assembleia Nacional, os republicanos e os monárquicos em vésperas da revolução francesa.
A dada altura, e por conveniência política (da direita), inventaram um centro. E o que se entende por centro vai oscilando mais para um lado ou para outro consoante “os ventos”. O PSD já foi de esquerda e o CDS era centro! Hoje há quem coloque o PS à esquerda e quem o coloque na direita. Outros dizem que é centro e acham que ser centro é bom. São os ditos moderados. Mas surge o Livre e para arranjar espaço dá uma cuzada para cada lado de modo a ficar convenientemente no centro, um bocadinho mais para a esquerda.
Mas para estas analogias geométricas fazerem sentido é preciso haver uma referência. À direita de quem? À esquerda de quem? Se olharmos para as diferentes câmaras políticas, um pouco por todo o lado, descobrimos: é de uma mesa, de uma presidência. Não de quem se situa num dado lugar, mas de quem está de frente. É curioso, é olhar para a política de fora e não de dentro e olhar para a política de forma institucional.
De um modo ou de outro é uma questão de perspectiva. Essa descoberta revolucionária que ultrapassa os limites das metáforas e instala-se em todas as dimensões humanas. A perspectiva não é apenas uma forma de representação gráfica do espaço, é a aceitação da posição relativa de cada um e do seu modo particular de ver o mundo. Como é que passaram tantos séculos entre a invenção da escrita e a compreensão da visão humana? A resposta só pode ser encontrada nas imposições religiosas e hierárquicas que já vinham desde há milénios. É difícil imaginar que antes do renascimento não se ouvissem expressões como: “do meu ponto de vista…”, “na nossa perspectiva…”. Mas o facto é que, de um modo geral, não era permitida a opinião própria. Não era permitido fugir à visão ditada.
Passaram-se alguns séculos e há quem tente fazer-nos voltar ao mundo bidimensional, estruturado em função de ditames e não de acordo com a realidade. Por isso falam-nos em arcos do poder e despudoradamente vão retalhando a circunferência que corresponde à democracia. Não, aqui não há mesas redondas, não debatemos de igual para igual. Temos uma democracia representativa, um hemiciclo, uma meia circunferência. Mas querem reduzir o número de deputados para que já não seja uma meia circunferência, mas apenas um terço dela. E não bastando lá foram dizendo que o poder fica reservado a uma pequena secção de circunferência, um pequeno arco, o tal arco do poder.
Haverá círculos de poder, sim, mas esses são pequenos, exteriores à circunferência popular e tangentes ao famigerado arco.
Os arcos de poder, na realidade, nem chegam a ser unidimensionais, isto é, nem são uma pequena variação entre direita direita e direita um pouco mais à esquerda. A alternância entre um ponto e outro da imaginária linha política não existe, já que essa linha, se alguma vez existiu, já se apagou. O que existe é um ponto negro que concentra toda a riqueza graças às curvaturas da espinha.
(a continuar)