Porque tens umas imparidades tão grandes, Banco Espírito Santo?

Nacional

Como funcionam as imparidades de crédito na banca nacional e porque é que o sistema financeiro português colapsou?

As imparidades de crédito são traduzidas numa percentagem e consistem na estimativa de crédito irrecuperável. Os bancos privados têm os seus próprios mecanismos de calcular o risco de cada crédito que concedem e tudo isso é, não só legal, como feito com a chancela das instituições, como se viu nos últimos seis anos em Portugal.

Vamos simplificar:

Eu empresto-te 100 euros e a determinado momento percebo que não vou conseguir recebê-los na totalidade. Faço uma estimativa de quanto vou poder recuperar e determino a imparidade correspondente. Tu só conseguirás pagar-me 60 euros e portanto estabeleço uma imparidade de 40% para aquele empréstimo.

Se eu for um banco, a coisa não é tão simples, mas o processo é semelhante. Ora, o dinheiro que te vou emprestar não é meu, mas dos meus depositantes ou de créditos que eu pedi a um banco central ou outra instituição. Por isso, a lei obriga-me, como banco, a constituir uma provisão no valor correspondente à imparidade. No caso, eu teria de retirar dos meus lucros como banco, 40 euros para o caso de tu só me pagares os 60, porque eu tenho de assegurar os depósitos que usei para te emprestar dinheiro.

Aparentemente, isso é mau. E é. Mau para o banco e para a estabilidade financeira e para os depositantes. Para quem é bom? Para ti, porque levaste 100 euros e só pagaste 60. Os meus lucros diminuem porque tenho de pôr 40 euros de lado para provisionar a tua falha.

Agora compliquemos um pouco mais: tu és accionista do banco ou és accionista de uma empresa do mesmo grupo que o banco. O banco empresta-te 100 milhões de euros e, passado um tempo, começa a calcular uma imparidade de crédito de 80%, o que significa que tu só terás de pagar 20 milhões. O lucro do banco diminui, porque o banco teve de retirar dos lucros 80 milhões para provisionar essa imparidade. Tudo parece estranho e a operação parece neutra. Mas vejamos: o lucro paga impostos. O crédito paga impostos muito menores e podem, mesmo esses, ser compensados largamente pela parte do crédito que tu nunca vais pagar. Chegamos a uma situação que começa a mostrar contornos de malabarismo, mas que é no essencial, um assalto.

O banco devia distribuir dividendos pelos accionistas. Esses dividendos pagam impostos. Se distribuir dinheiro sob a forma de crédito que nunca vai ser cobrado, isso não só desconta do lucro do banco (portanto diminui os impostos) como desvia os recursos do banco (dos depositantes) para um accionista ou empresa do grupo. A empresa nunca pagará porque é dos mesmos accionistas que o banco e portanto, o banco emprestou dinheiro dos depositantes a empresas ou pessoas do mesmo grupo do banco. Quando a imparidade sobre o crédito chega a 100%, é abatido o crédito do balanço do banco, ou seja, desaparece. Porquê? Porque o banco emprestou, tu não pagaste, mas o banco tirou dos seus lucros para compensar o teu empréstimo.

Conclusão, os depositantes colocam o dinheiro no banco, o dinheiro é desviado para compensar créditos dados a empresas detidas pelo mesmo grupo económico que o banco. Se os depósitos gerarem liquidez suficiente para alimentar as provisões correspondentes às imparidades, tudo isto é legal, regulado, natural.

O problema surge quando os créditos concedidos e não pagos (as imparidades), juntamente com outras trapaças de financiamento fraudulento, ultrapassam a capacidade de gerar liquidez e de contrair crédito junto de outras instituições, então fica um tremendo buraco porque o dinheiro dos depositantes foi utilizado para emprestar sem garantias. E o que acontece nesse caso? Nada. O Estado é chamado a garantir os depósitos das pessoas, com os impostos dessas mesmas pessoas.

E o Banco Espírito Santo é afinal o banco mau. O capuchinho vermelho somos nós.