Não deixa de ser irónico que dois dias após o alarme social criado em torno da morte da classe média com a tributação do património imobiliário superior a 500 mil euros e que iria, de acordo com os opinadores e os mais excelsos especialistas em economia (de economistas, certamente, terão pouco), afectar milhares de portugueses, surjam estudos a dizer o que todos já sabemos, que todos (é incrível, não é? todos os anos os estudos demonstram os mesmos dados) anos se repete: mais de dois milhões vivem abaixo do limiar da pobreza em Portugal.
10,7% dos trabalhadores vivem abaixo do limiar da pobreza.
Nos anos da crise,os portugueses perderam,em média 116 euros mensais,cerca da 12 % dos rendimentos. A classe média também perdeu ,mas menos que os mais pobres que perderam cerca de 25 % dos rendimentos mensais.
Já o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado em 2015 sobre rendimentos do ano anterior, indicava que 19,5% das pessoas estavam em risco de pobreza em 2014, valor igual ao do ano anterior. A população idosa registou um aumento do risco de pobreza e a presença das crianças num agregado familiar está associada a um risco de pobreza mais elevado, sendo de 22,2%
para as famílias com crianças dependentes e de 16,7% para as famílias sem crianças dependentes.
O INE divulgou já em 2016 os resultados de um inquérito que fez aos rendimentos monetários disponíveis das famílias portuguesas que revelam um aumento da desigualdade na repartição do rendimento disponível (entre 2010 e 2014, o número de vezes que o rendimento medio disponível dos 10% de agregados mais ricos é superior ao rendimento médio disponível dos 10% mais pobres, aumentou de 12,8 vezes para 13,1 vezes), contudo, mesmo estes dados do INE não dão uma ideia completa da verdadeira dimensão que atingiram as desigualdades em
Portugal.
E, citando o estudo de Eugénio Rosa, basta analisar as Estatísticas divulgadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira do Ministro das Finanças que, apesar de deficiências conhecidas, mostram que as desigualdades são muito maiores no nosso país: o rendimento médio bruto dos agregados que recebem mais de €250.000/ano é superior em mais de 142 vezes ao dos agregados com rendimentos médios até €5000.
Como é sabido os agregados com rendimentos muito elevados têm maior capacidade e possibilidades de manipular e ocultar os rendimentos que recebem, deslocando muitasv ezes esses rendimentos para países estrangeiros, incluindo “paraísos fiscais” (offshores), onde as taxas de imposto são muito mais baixas ou mesmo inexistentes. Não será por acaso que o número de agregados com rendimentos brutos superiores a 250.000€/ano declarados às Finanças tenha diminuído, entre 2007 e 2014, de 4.055 para apenas 2.399, enquanto o número de agregados com rendimentos brutos até 5.000€/ano tenha aumentado significativamente pois passou, entre 2007 e 2014,de 638.130 para 771.550.
Falemos, então, de coisas sérias. Porque é que de repente toda a gente se indigna com as tributações patrimoniais como se houvesse uma declaração de morte aos ricos (que, afinal, somos todos?)? A fórmula é simples e está a ser criada há muitos anos, sorrateiramente, dividindo as populações, os trabalhadores, pretendendo criar a ideia de que há coisas para ricos, coisas para quem tem mérito, enfim.
A demonização dos funcionários públicos, a ridicularização da escola pública e dos professores, a destruição do Serviço Nacional de Saúde dando a ideia de que não funciona, a criação da ficção de que existem direitos laborais que privilegiam o sector público em relação ao sector privado, a ideia de que as universidades são para quem pode pagar, a falsa moralização das prestações sociais estigmatizando quem recebe o subsídio de desemprego ou o rendimento social de inserção, entre tantas outras, alimentadas por PS, PSD e CDS.
No que é que isto deu? Somos um país de gente rica. Quem ganha 1,5 IAS (Indexante dos Apoios Sociais – 419, 22 que está congelado desde 2010: €628,83) entra automaticamente nos inelegíveis: não tem direito a apoio judiciário, a abono de família, a apoio escolar camarário, a subsídio social de desemprego (ah, sim, as prestações, sendo individuais, afere-se o rendimento do agregado), a vagas nas creches públicas (nas 5%, vá) ou nas IPSS, pensões sociais, enfim, uma série de prestações sociais que, desde 2010 passaram a ter condição de recursos (só podem receber-se caso o agregado tenha rendimentos inferiores a um determinado nível) – obra do PS – porque somos todos gente muito rica e vivemos muito bem. Basta ver a evolução do abono de família.
Por isso, quando se fala em taxar rendimentos, cuidado!
Mas a verdade é que este Governo não tem coragem. Não tem a coragem necessária para ir buscar a riqueza onde ela existe e tributá-la devidamente e com justiça. E há muitos anos – não é de agora, nem é oportunismo e muito menos populismo – que o PCP já o propõe. Querem ver como seria simples?
A banca e o sistema financeiro continuam a não pagar a crise que provocaram e que desenvolveram. Quem paga os custos da crise são os povos e os trabalhadores, são as pequenas empresas, é a economia real do nosso País. (…) Só o sistema financeiro e a banca escapam à crise que provocaram! A banca e o sistema financeiro foram salvos, continuam a ser salvos, à custa do dinheiro dos contribuintes, à custa das ajudas públicas e dos Estados, em vez de resolverem os seus problemas à custa dos seus próprios acionistas. Na Europa, quase 5 biliões de euros de ajudas públicas serviram para salvar a banca e o sistema financeiro nos últimos três anos.
Em Portugal, sem falarmos dos mais de 5000 milhões de euros no BPN ou dos quase 500 milhões de euros do BPP, só nos últimos meses sabemos que os 6000 milhões de euros do fundo de pensões da banca vão voltar de mão-beijada para o sistema financeiro e que a banca tem à sua disposição mais 12 000 milhões de euros de fundos públicos para usar quando quiser e como convier aos seus acionistas.
(…) É tempo de a banca e de o sistema financeiro pagarem alguma coisa pela crise que provocaram!
Quase 13 anos depois da primeira iniciativa legislativa do PCP para criar em Portugal um imposto ou uma taxa sobre as transações financeiras, há hoje condições reforçadas — vamos ver como se comportam as bancadas deste Parlamento — para que esta taxa possa ser finalmente criada.
Esta taxa vai acabar com a isenção escandalosa dos impostos, por exemplo, do IVA sobre todas as transações financeiras efetuadas pela banca e pelo sistema financeiro. São cerca de 18 000 milhões de euros de isenções fiscais no sistema financeiro na União Europeia.
(…)É tempo, mais que tempo, de os sacrifícios serem pedidos aos causadores da situação que o País atravessa.
(…)
É de sublinhar a evolução do Partido Socialista. Agora, na oposição, anuncia a abstenção, mas deixem-me confessar-lhes que tenho dúvidas que, se estivesse no Governo, se abstivesse, como anunciaram agora. Tenho muitas dúvidas! Mas é bom que tenham mudado de posição.
(….) Aos trabalhadores, aos pequenos empresários pode-se exigir tudo; ao sistema financeiro pode nunca se exigir que paguem aquilo que já todos pagam, no nosso País.
*Excerto de intervenção de Honório Novo em Março de 2012
Outras propostas passam pela criação de uma contribuição para a Segurança Social em função não apenas do número de trabalhadores mas também em relação ao valor acrescentado líquido e da afectação de 0,20% do imposto a criar sobre todas as transacções na bolsa de valores destinado ao reforço do fundo de estabilização financeira da Segurança Social.
Não é por falta de propostas. Não é por falta de objectivos bem delineados. Não é por não se saber onde está a riqueza. Não é por não se combater esta política e esta ideologia de que a pobreza a todos serve e a todos fica bem, cultivando o individualismo e a meritocracia que só servem o capitalismo e a destruição da condição humana, intensificando a exploração da classe trabalhadora.
Não somos um país de ricos, mas somos um país de trabalhadores. E só aos trabalhadores caberá a luta e mudar o destino das políticas do seu país.