PSD e CDS determinam “ring-fencing” ao Presidente da República

Nacional

Antes mesmo de a Comissão de Inquérito realizar qualquer contacto com a Presidência da República, Cavaco Silva já anunciava que não divulgaria conteúdos sobre as conversas que teve com o então Presidente do BES, Ricardo Salgado. Que não tinha nada a acrescentar, que o conteúdo das audiências é privado, que tem de preservar o espaço de privacidade e a confiança de quem recorre àquelas audiências.

Porque propôs o PCP que se solicitassem respostas por escrito ao Presidente?
Na verdade, eram já conhecidos os contactos que Ricardo Salgado levou a cabo com o Governo e com o Presidente da República. Contudo, ao longo do tempo, sucessivas declarações desses titulares de cargos públicos justificam o colapso do BES com o facto de não terem sido alertados para os riscos sistémicos que os problemas na componente não financeira do Grupo representavam. Diz a Ministra das Finanças e diz o PR que o BES e o GES estavam devidamente isolados e que o contágio entre GES e BES não se daria. Dizem-no com uma convicção tremenda. O PR chega mesmo a dizer que “o Banco de Portugal tem sido perentório, categórico, a afirmar que os
portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo, dado que as folgas de capital
são mais do que suficientes para cobrir a exposição que o banco tem à parte não
financeira, mesmo na situação mais adversa.


Mas não se fica por aí e diz mesmo: “considero que a atuação do Banco e do Governador tem sido muito, muito
correta.
” Ora, se na primeira declaração, o Presidente se escuda ao veicular uma informação dada pelo Banco de Portugal, nesta sua segunda afirmação, há uma consideração, um juízo sobre o que pensa da actuação do Banco de Portugal. Se o PR afirma que a actuação do Banco de Portugal, a nove dias do colapso de um dos maiores grupos económicos presentes na economia nacional, é “muito, muito correcta”, então avaliza enquanto primeira figura da República o trabalho do BdP, bem como as informações fornecidas por essa entidade de “supervisão”.

Estas declarações ocorrem meses depois de o PR ter sido avisado, segundo Ricardo Salgado, para os riscos do GES e do BES, incluíndo para os riscos sistémicos para a estabilidade financeira. No mínimo, podemos dizer que o Presidente da República foi enganado pelo Banco de Portugal, que por sua vez foi enganado pelo BES. Ora, ainda que a conclusão fosse a de que PR e BdP foram ludibriados, tal conclusão seria importante para uma comissão de inquérito que pretende também apurar o funcionamento do sistema de “supervisão” e “regulação”, bem como a sua articulação com os órgãos da República. Na pior das hipóteses, o PR teria de assumir que afinal de contas não foi enganado, mas que preferiu proferir aquelas afirmações para salvaguardar a estabilidade financeira, tal como fez o Banco de Portugal ao longo do tempo e como o próprio Carlos Costa reconheceu na Comissão de Orçamento e Finanças e na Comissão de Inquérito. Também essa conclusão teria todo o interesse para a Comissão, sem que isso signifique que estaria a fiscalizar a actividade do Sr. Presidente da República, mas antes a juntar as peças e a reconstruir todo o cenário político e económico que conduziu ao desfecho do caso BES.

PSD e CDS decidiram aplicar uma medida de ring-fencing ao Sr. Presidente da República, impedindo que a informação de que dispõe contagie as conclusões da Comissão de Inquérito, assim tolhendo e limitando a capacidade da Comissão para apurar a verdade dos factos e impedindo que as conclusões contenham uma versão da carta de Ricardo Salgado na óptica dos envolvidos.

Importava saber se o conteúdo da carta de RS é verdadeiro.
Importava saber o que fez, a ser verdadeiro o conteúdo, o Sr. Presidente da República.
Importava saber de que elementos dispunha o PR para afirmar que o BES era sólido, que informações lhe deu o BdP para que se sentisse confortável e confiante naquelas afirmações.
Importava também conhecer ao pormenor os elementos que tinha o Sr. Presidente da República sobre o trabalho do BdP para dizer que considerava a sua actuação “muito, muito correcta”.

Com afirmações como as da Ministra das Finanças, do Primeiro-Ministro e do Presidente da República, se legitimaram negociações em bolsa de um banco falido e se expuseram pequenos accionistas e investidores à voragem dos grandes institucionais. Enquanto uns compravam acções freneticamente, outros libertavam-se freneticamente das perdas do BES, num movimento de passagem das perdas dos grandes para os pequenos. Mas muito mais grave do que o sacrifício dos pequenos aspirantes a grandes capitalistas é o peso que estas escolhas e esta gestão vieram a representar nas contas do Estado e a forma como se abate sobre o povo português a política de direita que nos obriga a pagar os juros da salvação da banca privada.

Entretanto, uma “fuga de informação” permitia que os grandes grupos e fundos de investimento soubessem de tudo isto. Ao que parece, as fugas de informação, chegaram antes aos fundos que a todos os órgãos da república e ao regulador do mercado bolsista, a CMVM.