Mário Amorim Lopes, que pelos vistos dá aulas de microeconomia numa faculdade qualquer, escreveu a título de convidado um texto no “sentinela” na direita portuguesa, o “observador” que é uma peça política capaz de fazer parecer uns meninos alguns dos mais sanguinários fascistas. O facto de este Mário ser professor na Universidade do Porto e doutorando em economia da saúde prova que de facto, Alexandre Homem Cristo, do CDS, tinha razão quando escrevia que “temos maus professores”, pelos menos no que toca a este Mário Amorim Lopes. Mas pior, mostra que temos o ensino capturado pela doutrina dominante do neo-liberalismo mais bárbaro e ordinário.
Ora, o senhor Mário Amorim diz com orgulho que já tinha colocado a questão do tratamento da Hepatite C numa das suas aulas de microeconomia para ponderar sobre a questão genérica e económica “quanto vale uma vida?”. A minha escrita poderia terminar por aqui porque já estamos todos nauseados com a simples questão e a forma básica, reles mesmo, como Mário Amorim Lopes a coloca.
Mário Amorim Lopes faz um exercício digno de quem transporta a má-fé e a mentira para o debate político, a coberto da máscara de técnico, perito ou professor, como é já habitual na direita portuguesa e nos seus fazedores de opinião. Cada vez mais penso que a direita tem uma espécie de olheiros espalhados pelo país e pelas universidades, buscando pelos jovens mais dispostos a repetir a lenga-lenga salazarenta que tanto ontem alimentou, como hoje alimenta a política de austeridade e os lucros dos grandes grupos económicos. Os requisitos são, todavia, muito pouco exigentes e depois saem estas coisas no “observador”, o que não há de ser problema, na medida em que o seu público alvo deve ter deixado de ler o texto na passagem que refere “peça de Brecht” e “cultura financiada por todos”. Imagino que os seus cérebros-máquina-de-calcular não consigam computar termos tão exóticos quanto “cultura” e “Brecht”.
Mário Amorim Lopes traduz-nos então a questão dos custos relacionados com a saúde, com as pessoas, com o seu bem-estar em QALY’s – “quality-adjusted life-years” como forma de encontrar uma medida para o valor de um tratamento. Mas o Professor limita-se a fazer comparações entre interesses comuns. Por exemplo: compara um doente com HepC a uma criança com cancro, compara um doente com HepC a vítimas de sinistralidade rodoviária, contrasta os interesses do doente com HepC e o financiamento da cultura, mas nunca, em nenhuma passagem do texto, o professor faz contrastar o interesse comum com o interesse privado, ou seja, o interesse da esmagadora maioria dos portugueses, com o de uma reduzida elite. Por exemplo, o senhor professor nunca faz comparar os custos de tratamento de uma doença com os gastos em parcerias público-privadas, com os juros da dívida, com as garantias pessoais do Estado a bancos privados, com as despesas em contratos swap, com a despesa fiscal em benefícios a grandes grupos económicos.
É compreensível, com essa manha típica dos papagaios do sistema, que o professor tenha tentado opor os interesses dos utentes do SNS, aos utentes do Serviço Público de Arte e Cultura, aos condutores e peões, aos estudantes e professores, aos beneficiários de prestações sociais e à soberania nacional. Esse exercício, além de mostrar que este professor usa o seu papel e profissão para evangelizar e não para ensinar, também denuncia de que lado está Mário Amorim: e não é do lado dos utentes do SNS, do Sistema Educativo, dos beneficiários de prestações sociais, da população em geral, porque tenta dividi-los em grupos quando na verdade os seus interesses são partilhados. Mas esconde os verdadeiros privilegiados e esconde os gastos reais da república com o luxo das elites, com a acumulação obscena. Não é por acaso que o professor não compara os gastos do tratamento da HepC com os 8 mil milhões de euros anuais em juros da dívida para garantir o lucro dos grandes bancos, ou que esconde os mais de mil milhões de euros ocultados na conta geral do Estado de 2012 dados em benefícios fiscais a grandes grupos económicos, que, também podem ser comparados aos gastos da saúde.
Teve azar o professor, porque uma peça de teatro em Portugal não chega para pagar o tratamento de um doente com Hepatite C, mas os benefícios ficais dados num ano a grandes empresas chegavam para pagar 43 542 tratamentos. Quarenta e três mil, quinhentos e quarenta e dois. O Teatro em Portugal recebe, por ano, cerca de 5 milhões de euros. 5 milhões para todas as companhias do país, para todo o território, para centenas e centenas de peças e para largos milhares de espectadores, alguns deles infectados com HepC.
Teve azar o professor, porque uma peça de teatro em Portugal não chega para pagar o tratamento de um doente com Hepatite C, mas os benefícios ficais dados num ano a grandes empresas chegavam para pagar 43 542 tratamentos. Quarenta e três mil, quinhentos e quarenta e dois. O Teatro em Portugal recebe, por ano, cerca de 5 milhões de euros. 5 milhões para todas as companhias do país, para todo o território, para centenas e centenas de peças e para largos milhares de espectadores, alguns deles infectados com HepC.
No essencial, a tentativa de opor direitos a outros direitos conduz-nos a uma supressão gradual de todos os direitos, mantendo intocáveis os privilégios. E este Mário Amorim não ensina, manipula, doutrina, e eu questiono-me mesmo sobre quantos QALY’s estamos a gastar com o salário de papagaios que, na Universidade Pública, dizem afinal o mesmo que podemos ouvir na tribuna do Governo, da bancada do PSD e do CDS na Assembleia da República, nos jornais, rádios e televisões.