Rio2016

Internacional

Tenho grande dificuldade em reflectir de forma racional sobre os JO. Por razões de natureza pessoal, que não vou detalhar neste espaço, e por razões ideológicas, que afastam a minha visão dos Jogos daquela que é dominante no conjunto não apenas da sociedade portuguesa mas também, temo bem, por esse mundo fora.

Cresci a ver os Jogos, a treinar ao lado de atletas olímpicos, a ambicionar participar nos Jogos e a beber tudo aquilo que, há vinte anos, a televisão, os jornais e as revistas davam a conhecer sobre o mais importante evento desportivo-competitivo do calendário da maior parte das modalidades que foram até há alguns anos atrás predominantemente amadoras.

E porque vivi por dentro, de certa forma, a obsessão olímpica sinto-me sempre bastante dividido na hora de olhar os vários Jogos que existem dentro dos Jogos. Tenho uma opinião sobre os JO enquanto evento, hoje totalmente desligado do chamado “espírito olímpico”, e outra bem diferente sobre a generalidade dos torneios olímpicos, que são a essência daquilo que resta do movimento olímpico acarinhado por atletas, treinadores e comunidades desportivas nacionais.

Os JO de Verão 2016 estão a terminar – seguem-se os Paralímpicos (ou Paraolímpicos) – e neste momento já é possível perceber que a missão olímpica portuguesa obteve resultados magníficos, traduzidos através não apenas de uma medalha e vários diplomas olímpicos mas também – e na minha modesta opinião, sobretudo – da diversificação das representações olímpicas nacionais em modalidades e disciplinas fundamentalmente individuais. Da missão olímpica portuguesa fizeram (fazem) parte atletas distribuídos por modalidades relativamente às quais a generalidade dos portugueses desconhece em absoluto a realidade competitiva nacional. Quantos de nós conhecem verdadeiramente o que se passa em Portugal ao nível do Badminton, da Ginástica Desportiva, da Canoagem ou do Hipismo? O meu maior contentamento é ver uma representação olímpica portuguesa envolvida em vários torneios e, dentro destes, em diversas provas, especialidades e distâncias.

Portugal não tem uma tradição relevante de prática desportiva não federada. O nosso número de atletas federado é – sejamos honestos – ridículo e mal distribuído por modalidades e federações. O reduzido campo de recrutamento dos clubes e federações conduz aliás à disputa de atletas, realidade que ilustra bem as fracas possibilidades que o desporto nacional ainda vai alimentando relativamente à possibilidade de disputar de forma continuada resultados mediaticamente relevantes nas provas para as quais todos os olhos se voltam de tantos em tantos anos: Europeus, Mundiais e, naturalmente, Jogos Olímpicos.

Por outro lado as condições financeiras e materiais ao dispor dos atletas federados são na generalidade das modalidades risíveis, quando comparadas com aquelas existentes nos países que lideram os chamados “medalheiros” olímpicos. Um bom exemplo desta realidade diz respeito à natação, modalidade muito mediatizada no panorama olímpico, mas que em Portugal conheceu até há poucos anos atrás um atraso ao nível das infraestruturas que deveria envergonhar um país que cobra constantemente resultados para os quais pouco ou nada contribui ao longo dos anos de preparação de cada ciclo olímpico.

Nada do que escrevo é novo nem original. Aliás, houve quem a partir do Rio de Janeiro o lembrasse através das câmaras da RTP: “querem resultados? dêem-nos condições!”. Não são tretas, desculpas de mau pagador, queixumes sem fundo de verdade; pelo contrário: os atletas nacionais registam de forma geral desempenhos comparados muito superior às condições (também comparadas) de que dispõem. Acontece que temos uma tendência natural para nos colocarmos num plano de desenvolvimento geral e de capacidade desportiva que não encontra correspondência com as realidades de um e outro indicador. E grandes expectativas geram não raras vezes brutais trambolhões.

O país coloca-se às costas de anónimos trazidos para a ribalta mediática durante quinze dias, e perante resultados que não compreende solta a sua boçalidade de algibeira em cima daqueles que tudo deram – e de que tudo se privaram… – nas respectivas competições. Portugal ganha, fulano ou fulana perde, “falha a final”, “desilude” quem se iludiu com base em consultas apressadas de notícias descontextualizadas, pesquisas no Google, vídeos no Youtube. Depois a coisa passa para a generalidade de nós, ausentes do ciclo olímpico entretanto iniciado, mas não passa para atletas cujo impacto físico, social, psicológico e por vezes financeiro da sua entrega à competição é muitas vezes um verdadeiro triturador de vidas.

Os Jogos do Rio foram uma notável demonstração da vitalidade do desporto nacional, contra todas as expectativas, contra todas as barreiras, obstáculos e deficiência de condições. Não me resta, relativamente à representação olímpica nacional, nada que não seja gratidão e orgulho. Estão de parabéns os atletas, os seus clubes, treinadores, dirigentes (quase todos amadores, quase todos sacrificando a sua vida pessoal por amor ao desporto) e, de certa forma, Abril, o momento em que a democracia chegou também ao desporto.

Seja como for não tenho – nunca tive – a obsessão do medalheiro, esse entretém mediático que desfigura o olimpismo, e que arrasta tanta gente para reflexões apressadas, injustas, descontextualizadas e ultra-competitivas acerca de um evento que deveria ter no ouro, na prata e no bronze um pormenor e nunca a sua essência fundamental.