Ser arquitecto no país da austeridade, por Tiago Mota Saraiva

Nacional

Em Dezembro de 2015 passará vinte anos desde que comecei a trabalhar num atelier de arquitectura. Era estudante e nesse tempo eram poucos os estudantes que não acumulavam a escola com o início da profissão.
Terminado o curso, em 2000, decidi emigrar. Mas não foi um emigrar como os de agora, que mais parece um exílio. Como tantos outros colegas parti por uns anos na certeza de regressar no momento em que decidisse.

Preparado o portfolio enviei candidatura para oito ateliers de arquitectura e lancei-me num interrail pela Europa em que fui visitando amigos e fazendo entrevistas de trabalho.

Fiquei por Roma. Dois anos. Tive a minha dose de arquitecto-estrela. Projectávamos para todo o mundo com orçamentos galácticos. Fazíamos concursos de arquitectura como poucos, produzíamos como uma intensa fábrica de ideias, poucas eram as noites em que as luzes do atelier se apagavam – nunca mais consegui/quis fazer uma directa a trabalhar depois daqueles anos. Na fábrica vi passar muita gente. Quando anunciei o meu regresso a Portugal era o quinto arquitecto mais antigo da empresa (sim, tínhamos contratos!) e coordenava equipas de trabalho com gente com mais dez anos que eu. Estava com 25 anos.

Regressei para construir uma vida. Mas a tarefa não se afigurava fácil.

Na administração pública, a ministra das finanças Manuela Ferreira Leite, iniciava as primeiras investidas tendentes ao seu desmembramento tornando praticamente impossível o acesso a quem se apresentava com curriculum profissional na área. Nos ateliers imperava o trabalho precário, a recibo verde, com o qual fui adiando uma solução.

Chegado a 2003, com um conjunto de colegas de universidade e a partir de um trabalho promovido pela Experimenta Design – na altura, a EXD, era um autêntico viveiro de novos colectivos de arquitectura de Lisboa –, decidimos iniciar um atelier. Éramos cincos dos quais um, eu, sempre tinha afirmado que não gostaria de iniciar um atelier antes dos 50. Mas era uma questão de sobrevivência. Inevitável. Tratava-se de assumir o controlo sobre a nossa precariedade. Durou dois anos. Correu mal. Havia filosofias de vida e ideais muito diferentes. Inconciliáveis.

Entre quatro, decidimos avançar para outra plataforma – o ateliermob – que cumpre este ano dez anos.

O ateliermob é uma empresa, costumo dizer que usa a arma do inimigo. Começou por ter trabalho a partir de concursos públicos. De 2005 e 2008 cresceu sempre. Entre 2008 e 2010 abanou. Os dinheiros públicos concentravam-se nas escolas e centros de saúde e a encomenda era distribuída sem concurso. Um a um, os projectos que tínhamos sobre a mesa iam parando.

Mas é durante esses anos, a partir de uma profissão que pensa o futuro e que por isso está sob ameaça, que começámos a pensar um novo modelo de trabalho. Chamamos-lhe: trabalhar com os 99%.

A partir de comunidades que necessitem de serviços de arquitectura, mas que não tenham meios para os pagar (um universo cada vez mais próximo dos 99%), desenvolvemos um programa e uma ideia de trabalhos, calendarização e orçamentação. O tempo que outrora gastávamos em concursos, gastamo-lo na concepção destes documentos. Depois, com as populações, vamo-nos candidatando a financiamentos públicos ou privados, nacionais ou internacionais. Só quando o financiamento chega é que podemos começar o trabalho. Dizemo-lo sempre. Não somos voluntários, não fazemos caridade, não trabalhamos à borla. Temos contratos, prazos de execução e trabalhadores. Não somos arquitectos-bonzinhos, somos profissionais de arquitectura.

*Autor Convidado
Tiago Mota Saraiva, arquitecto