Ser músico no País da Austeridade, por Tiago Santos

Nacional

Toda a gente sabe que os músicos são um empecilho para a sociedade, a não ser que alguém deles consiga fazer um bom dinheiro. São irreverentes, preguiçosos, e usam demasiados palavrões. Para muitos deles a vida só não é um cabaret porque são as suas próprias vidas que fazem mover o cabaret. Os risos, as palmas, o convívio, os ensaios, a dança, a orquestra que só respira quando toca ao vivo, a voz que só acorda para poder cantar.

Mas na música, para a maioria dos músicos o espectáculo fecha-se com a última luz. De trás do palco em diante, os acordes de canções, as palavras de amor e raiva, são substituídas pelo cansaço de uma vida de risco. Sim, sabemos que a crise e a precariedade sempre cá estiveram, mas que agora se agrava ainda mais com o desemprego e os cortes a assaltarem também as casas e as famílias, onde antes ainda se escondia alguma segurança.

Na música, existe uma sala e uma porta, onde tu entras para dar o teu melhor mas quando sais, só encontras uma percentagem da bilheteira que muitas vezes mal dá para a viagem de regresso. Mas é de paixão e nervo que é feita esta profissão e por isso levantamos a cabeça e seguimos. Mas seguimos sós, sem olhar para o lado, sem reforçar o nosso caminho de trabalhadores da música. Desunidos, somos uma classe profissional sem quaisquer direitos nem remuneração, um verdadeiro caso de exploração capitalista selvagem em pleno séc. XXI. É por isso urgente que os músicos se unam em torno dos seus sindicatos, se organizem e tomem partido, se mobilizem pela luta dos trabalhadores e pelos seus direitos ao trabalho, à remuneração e à cultura. Juntamente com estes problemas do valor trabalho e do sub-pagamento, os músicos vêem ainda as suas vidas penhoradas pela Segurança Social, enquanto o primeiro-ministro escapa impune a anos de fuga às suas obrigações. Os músicos sentem a falta de um estatuto do artista que os proteja num mercado selvagem que pratica o trabalho gratuito com a mera exposição como contrapartida, mas um trabalho que de facto fornece conteúdos, anima eventos lucrativos e constrói cartazes comerciais para quem desse trabalho se apropria sem retribuir.

A vida dos músicos está longe do glamour luminoso das imagens dos concursos de televisão. Muitos têm de optar por trabalhos alternativos, longe da música e da actividade que escolheram e para a qual se prepararam. Muitos perdem assim o ritmo do trabalho e desistem, outros perseguem um sonho que dia a dia se afasta à medida que o apelo constitucional do direito de todos à fruição e à criação culturais, se tornam vãs ilusões nos discursos dos partidos do arco do poder. Mas é na luta, é na recuperação da dignidade roubada, num país onde as desigualdades também aqui vencem e ganham terreno, que os músicos podem cantar novos hinos de esperança. Havemos de chegar ao fim da estrada, assim estejamos dispostos a dialogar, a lutar a unir esforços por uma política alternativa e de esquerda.

*Autor Convidado
Tiago Santos, músico