Num artigo intitulado «Angola: carta aberta aos meus amigos do PCP», o encenador Castro Guedes manifesta a sua (sincera) incompreensão com aquilo que diz ser «os silêncios» do PCP, partido cuja dedicação à causa da liberdade reconhece, sobre o caso dos jovens angolanos acusados de prepararem um golpe de Estado.
Caro Castro Guedes, compreendo as tuas preocupações: a greve de fome é um gesto de protesto tão extremo que não nos pode deixar indiferentes. Soberania dos Estados não é o mesmo que soberania dos povos e não pode nunca impedir que, como o Che, estremeçamos perante qualquer injustiça cometida em qualquer parte do mundo. Por outro lado, como tu reconheces, a política económica e social do governo angolano reveste-se de opções semelhantes às que afligem os trabalhadores de outros países europeus, asiáticos ou americanos onde o capitalismo se desenvolve.
Mas isto não basta, Castro Guedes. O facto de alguns de nós não nos identificarmos com o governo líbio liderado por Gaddafi (e longe de mim comparar Angola à Líbia), não bastou para apoiarmos uma intervenção imperialista que representou a morte de centenas de milhares de pessoas, o regresso civilizacional à idade média, a pulverização do Estado em infinitas lutas tribais ou a instauração da Sharia. Não é por não gostarmos do Gaddafi que queremos o Estado Islâmico. E, na Líbia, antes das bombas, também houve manifestações por «liberdade de expressão», presos políticos e greves de fome.
Não, não estou a comparar Luaty Beirão ao Estado Islâmico. Mas pergunto-me, com a mesma sinceridade com que questionas o PCP, qual é a alternativa ao MPLA? Não podemos ser ingénuos: ambos sabemos porque é que o National Endowment for Democracy, o braço político da CIA, financia projectos de «solidariedade» e «promoção dos direitos humanos» em Angola como o Maka, muito próximo do autodenominado Movimento de Jovens Revolucionários de Angola.
A UNITA, que vem instrumentalizando os jovens activistas angolanos, é a alternativa que se perfila na agenda dos EUA para substituir o MPLA. Quem conheça a História de Angola sabe a UNITA que representa o equivalente angolano ao Estado Islâmico. Por outro lado, já ninguém acredita que os EUA invadiram o Iraque porque estavam preocupados com os direitos humanos.
É que se o nosso único critério para a solidariedade internacional for a reivindicação de «liberdade», vamos acabar muito mal acompanhados entre neonazis ucranianos, golpistas cubanos e fascistas venezuelanos.
Por isso pergunto-te, sinceramente, Castro Guedes: sabes, para além da liberdade de expressão, o que defende o Movimento de Jovens Revolucionários?
A soberania que me interessa reside nos povos. Não devem, portanto, ser os EUA ou a Europa a vestirem a farda de polícias dos direitos humanos. Muito menos devem ser os portugueses a dizer aos angolanos como se governar: para isso já bastaram 500 anos de colonialismo. É que qualquer análise da situação angolana que não tenha em consideração o legado português de atraso, opressão e escravatura, não merece ser levado a sério.
A solidariedade que me interessa é com os que lutam pela emancipação social dos trabalhadores. No dia em que os trabalhadores angolanos se dispuserem a lutar pelo fim do capitalismo, contarão com o meu apoio.
Até lá, estou como o PCP: solidário com a situação de Luaty e dos seus companheiros, preocupado com o respeito por princípios que são universais; firme na minha oposição à ingerência do imperialismo estado-unidense e europeu; inamovível na convicção de que cabe aos angolanos, e só aos angolanos, decidir sobre o seu futuro.