Sobre o Luiz Pacheco!

Nacional

Escrever sobre Luiz Pacheco é difícil, dificílimo, por mais singela que se queira a homenagem. É assim quando se gosta mesmo de Pacheco. A sua força, a sua garra, a sua coragem, o seu desprendimento e despudor, a sua inteligência, a sua extraordinária capacidade de se expressar e de escolher as palavras certas no momento certo, a sua coloquialidade… O Pacheco não foi mais um escritor, nem a sua obra foi vulgar. Nem na forma nem no conteúdo. Bastará lembrar que Pacheco termina o seu trabalho literário sem um único romance de grande fôlego.

Observando o trabalho de Luiz Pacheco e a sua biografia, resulta a constatação do seu empenhamento na difusão da Cultura e da Arte, obviamente com especial relevância da Literatura, na promoção de novos autores possível com a fundação da Editora Contraponto(autores como Cesariny, Vergílio Ferreira ou Herberto Hélder), num tempo e num país dominado por uma ditadura fascista, marcado por atrasos do ponto de vista da criação e fruição cultural que não só o esmagavam à época como ainda se mantêm em alguns dos seus traços essenciais até aos dias de hoje.

Luiz Pacheco além de tradutor e revisor, desenvolveu desde os anos 40 um impressionante trabalho de crítica literária, em diversos espaços, e em jornais e revistas como O globo, Bloco, Afinidades, o Volante, Diário Ilustrado, Diário Popular ou Seara Nova. Sempre sem medos nem receios, tão polémico e incisivo quanto lhe era possível, mas encontrando sempre neste estilo uma método que não escondia a existência de critério, coerência e seriedade intelectual nas suas observações. Para a História da critica literária portuguesa ficarão muitos dos seus artigos, ainda que destaque pelo seu impacto O caso do sonâmbulo chupista, acusando o plágio de Fernando Namora em Domingo à tarde de Vergílio Ferreira em Aparição. (sendo que o júri de um importante prémio literário nacional da época premiou ambos os trabalhos sem se aperceber do plágio!)

Nunca se acomodou a coisa nenhuma, nem procurou esse estado, pelo contrário fez o que quis e o melhor que pode, se mais longe não foi, a culpa não foi só sua, a culpa foi também do fascismo, da mediocridade, da mediocridade de um pensamento dominante receoso, opressor, retrógrado, papa-hóstias, mesquinho e revanchista, de uma vida literária e cultural tantas vezes censurada e auto-censurada por padrões de mercado ou corporativismos, de uma sociedade portuguesa patriarcada e auto-satisfeita, repleta de “hipócritas” e “contentinhos” como Pacheco lhes chamava.

Ler Pacheco é um exercício de liberdade, é um mergulho na liberdade que a burguesia escarnece de excentricidade. Ler Pacheco é conhecer o antropocentrismo orgulhoso e pleno.

E, claro, o Luiz Pacheco foi militante do Partido Comunista Português, fazendo do pagamento da sua quota um ponto de honra e da bandeira do Partido no seu caixão um ultimo desejo.

Relativizando, destacaria de Pacheco textos como O Libertino Passeia por Braga, a idolátrica, o Seu Esplendor(1961), O Teodolito(1962), Comunidade(1964), Exercícios de Estilo(1971), Pacheco vs Cesariny(1974), Diário Remendado (2005) e ainda as suas cartas a Mano Aires Pereira em 1 homem dividido vale por 2. A validade destes, a sua qualidade literária e estéctica, possuiu ainda hoje uma tremenda actualidade, sendo que os seus méritos crescem na medida em que o leitor se posiciona ao tempo da sua escrita(e também da leitura) e atenta no seu vanguardismo e descomedimento.

Foi em janeiro de 2008 que Luiz Pacheco morreu, e a dimensão da sua perda(tal como a sua obra) parece crescer de dia para dia. O actual panorama das letras e das artes, do cenário cultural nacional e da própria sociedade portuguesa é muito frustrante. O desinvestimento na cultura, a irresponsabilidade do Estado, os interesses obscuros, a absoluta mercantilização, o inquietante fascínio pela mediocridade que atinge importantes camadas de novos e velhos autores, leitores e públicos(vítimas de uma oferta que o sistema lhes oferece e que simultaneamente limita e oprime culturalmente estas camadas) são de facto castradores das esperanças que Abril trouxe, mas simultaneamente são motivo de nova convocatória.

Porque é que finalmente se filiou no PCP?

“Antes de 74 eu admirava o partido, mas sempre soube que não era talhado para guardar segredos. Não queria que me arrancassem as unhas ou me dessem bofetadas. Agora é diferente. E essa história de que o comunismo está acabado é mentira. Tenho gosto em estar no PCP, é uma coisa platónica. (in entrevista a Paula Moura Pinheiro, Já, Julho de 1996)”

Autor Convidado *
Filipe Guerra