Trálala na Crimeia

Internacional

Os livros, os livros ensinam-nos tantas coisas. E às vezes, é nos romances que se escondem mais verdades, ou pelo menos é onde elas estão mais nuas.

“Cada país possui uma estância balnear muito elegante, da qual se orgulha particularmente. Para a população soviética, essa região ficava na Península da Crimeia, um lugar fantástico onde os sonhos se tornavam realidade. Visitar a Crimeia pelo menos uma vez na vida era obrigatório para praticamente todas as pessoas do país. Como Maiorca para os alemães ocidentais e Hiddensee para os alemães orientais. Com o passar do tempo, a Crimeia tornou-se uma metrópole independente, adornada com toda a espécie de lendas. Era o lugar onde o sol brilhava sempre e em cujas praias as mulheres mais belas de todo o país se passeavam dia e noite, escassamente vestidas. Os mais famosos poetas, artistas, cientistas e generais russos procuraram lá inspiração – e em vez dela encontraram uma casa com jardim e barco. Posteriormente, as suas propriedades foram convertidas em museus. As casas de Tchekov, Pushkin, Kutusov, Suvorov, Aivazovskii e outros contribuíam assim para a oferta cultural da península.
A Crimeia já não pertence oficialmente à Rússia há mais de dez anos, o que irrita valentemente a maior parte dos meus compatriotas. O que exércitos inimigos não conseguiram ao longo de séculos, foi despachado ao pequeno-almoço pelos políticos russos. Durante a desintegração da União Soviética, quando o país foi retalhado como uma tarte, o presidente russo da altura, Ieltsin, provavelmente não estava atento: de um momento para o outro, já não havia Crimeia. Presentemente, esta preciosidade pertence à República Ucraniana. Talvez mais tarde a vendam de volta à Rússia, quando não conseguirem pagar as facturas da energia.

A história pós-soviética do país também deixou as suas marcas na região. Gorbachov, o primeiro presidente russo, esteve preso em Faros, às mãos de militares consipradores. E Ieltsin, o segundo presidente russo, gostava muito de lá ir a banhos. Entre as atracções da Crimeira contam-se ainda: o maior jardim zoológico do país, a maior queda de água, o maior campo de férias dos pioneiros e a maior pintura da Rússia. Trata-se do quadro panorâmico de F.J. Rubo, com mil seiscentos e dez metros quadrados: «A Defesa da Cidade Sebastopol contra os Exércitos Inglês, Francês e Turco.» Olhando para a imagem, pode concluir-se que desde sempre todos os governos do mundo tiveram inveja desta pérola do Mar Negro e que já no terceiro século antes de Cristo todos tentavam conquistar a península. Até os genoveses e os mongóis se lançaram nessa aventura.

Na realidade, a Crimeia é uma região bastante sinistra. Como em qualquer local turístico, a sua população é explorada pelos fanáticos da recreação, e vice-versa. Ao longo de milénios, os habitantes da Crimeia desenvolveram uma relação de amor e ódio para com os seus visitantes. Odeiam os turistas porque eles destroem o equilíbrio ecológico da ilha e aterrorizam os nativos com as suas festas. Em fins de Agosto tudo fica ainda pior: os jovens da região saem com armas brancas à caça de turistas. Regressam quase sempre com belos despojos, pelo que passam a gostar outra vez deles, dado que são a sua única fonte de prosperidade. Devido a esta relação de amor e ódio, as pessoas chegam a alugar aos visitantes aposentos em galinheiros por diárias de dez dólares, além de lhes tentarem vender toalhas de mesa cosidas em casa, dizendo que é artesanato regional. Mas o motivo principal da perversidade dos habitantes da ilha é o facto de serem os únicos que não se podem oferecer férias na Crimeia. Já lá vivem”

in, “Viagem a Trálala”, de Wladimir Kaminer, 2002
retirado de Piotr Ezquivel

* Autor Convidado
André Albuquerque