Vai pela fresca, Macedo, pela fresca

Nacional

Miguel Relvas. Vítor Gaspar. Álvaro Santos Pereira. Miguel Macedo. É esta, até agora, a lista de ex-ministros do XIX Governo Constitucional. Lista curta ontem engrossada por Macedo. De vários quadrantes se teceram loas à ministerial e honrada atitude. Não posso dizer que não a ache digna e condizente com a responsabilidade e sentido de Estado exigido a quem desempenha estas funções, mas servirá esta demissão para ilibar Miguel Macedo de um mandato polvilhado com decisões graves e ilegais? Não teria tido já momentos mais certeiros e em que a responsabilidade política lhe dizia directa e indiscutivelmente respeito?

Façamos então uma retrospectiva a alguns dos episódios que marcaram a governação Macedo nestes 3 anos de ministro da Administração Interna.

– os fogos do verão de 2013: num ano com um número de incêndios demasiado elevado para aceitarmos que todos foram obra do acaso climatérico e de mão humana, 6 bombeiros morreram durante o seu trabalho. Miguel Macedo sempre afiançou que tinham sido tomadas diversas medidas na prevenção, 2013 provou a falsidade da afirmação ou a ineficácia prática das tais medidas.

– os piquetes de greve, principalmente nas gerais: perante o sucesso indesmentível de algumas greves sectoriais e gerais, era preciso diminuir o seu impacto ou pelo menos penalizar os que dão a cara e o corpo à luta. Os piquetes são um excelente local para exercer poder e para desmoralizar os que passam a noite em claro, lutando solidariamente pelos seus direitos. Aos piquetes, as televisões chegam quase sempre depois de o Corpo de Intervenção ter “limpo” o local e estabelecido o cordão de segurança. A ilegalidade e a brutalidade física e psicológica exercida sobre as e os trabalhadores dificilmente é documentada e por isso residual ou inexistente. Da primeira Greve Geral para a segunda, digamos que as escoriações e lesões nos corpos de quem trabalha aumentaram substancialmente.

– a carga policial contra “os profissionais da desordem”: escadaria da Assembleia da República, cenário excelente para directos passíveis de amedrontar futuros manifestantes. A 14 de Novembro de 2012 deu-se a mais brutal carga policial dos últimos anos, a justificação foi simples, uns quantos “profissionais da desordem” que não obedeceram aos supostos avisos da PSP para que parassem de arremessar pedras e outros objectos. Muito está dito e filmado, lembro apenas que esses arremessos duraram quase 2 horas, em que a PSP decidiu não intervir, e que no local foram identificados vários polícias à paisana infiltrados no meio dos manifestantes incitando ao uso da força.

– “secos e molhados” revisitados: depois de vários avanços e recuos nas negociações, as várias polícias convocaram manifestações. Duas delas com brutal impacto. Mais uma vez a escadaria da AR, mais uma vez um imenso dispositivo policial para garantir que as escadas da AR não eram violadas pelos manifestantes. Neste caso eram colegas de trabalho. Na primeira manifestação imagens de encontrões, na segunda manifestação os polícias subiram mesmo as escadas chegando a temer-se o pior. Ainda mais relevante que estes episódios são os números dos manifestantes, as duas maiores e mais combativas manifestações dos trabalhadores das polícias que há memória nas últimas décadas. Miguel Macedo sempre se mostrou aberto ao diálogo, mas pouco se foi avançando na prática. Se dava com uma mão, ia tirando com a outra, e chegámos ao final do terceiro ano de mandato deste governo sem que as polícias vejam a sua profissão e as suas condições laborais dignificadas.

– a ponte a pé proibida: a CGTP-IN convoca uma manifestação que passaria no tabuleiro da Ponte 25 de Abril. Miguel Macedo prontamente proíbe o trajecto, infringindo a lei da fundamental do país. A justificação dada é a falta de segurança – que lhe caberia garantir -, desculpa que rapidamente cai por terra quando se deu e se continua a dar autorização a maratonas e meias-maratonas onde os participantes enchem em modo de corrida o mesmíssimo tabuleiro que não aguentaria os perigosos e barbudos sindicalistas.

Miguel Macedo fez aquilo que qualquer ministro deve fazer quando perde a autoridade e credibilidade política. Mas esta atitude não merece especial louvor ou admiração, só serve para evidenciar que outros e outras lhe deviam ter copiado a decisão, incluindo o próprio, em qualquer um dos momentos acima descritos.

Quanto ao caso em si, esperemos pelo que nos diz a Justiça. Já comunicou a Procuradoria-Geral da República que não há membros do governo a serem investigados, mas até ao lavar dos cestos é vindima e consta de um relatório policial que Miguel Macedo e o seu amigo António Figueiredo, decidiram conversar em Ayamonte, do lado de lá da fronteira, onde dificilmente chegam os olhos e os ouvidos da PJ.

Com mais ou menos sentido de Estado, honra e dignidade, ministro deste governo que tombe é boa notícia para as e os trabalhadores e as e os habitantes do país. É só mais um empurrão…

* Autor Convidado
André Albuquerque