Anda por aí um enorme reboliço com origem em questões internas da vida do PS. O acessório ganha terreno ao essencial, coisa que não espanta num país onde o pensar vai sendo substituído pelo reagir (não é só crítica: é crítica e autocrítica, que não me excluo deste dedo que aponto), muito em proveito de um status quo que, passando por entre os pingos da chuva, vai levando a água ao seu moinho, ou seja, os euros às contas bancárias nos off-shores e afins.
Em síntese: António Costa referiu há dias, durante uma intervenção pública, que o país está bem diferente relativamente à situação em que se encontrava em 2011. O sentido da diferença fica clarinho se esta for interpretada no contexto da frase completa: “Em Portugal, os amigos são para as ocasiões, e numa ocasião difícil em
que muitos não acreditaram que o país tinha condições para enfrentar e
vencer a crise, a verdade é que os investidores chineses disseram
‘presente’, vieram, e deram um grande contributo para que Portugal
pudesse estar na situação em que está hoje, bastante diferente daquela
em que estava há quatro anos”. Costa acha que Portugal está diferente para melhor, coincidindo nesta análise com aquela que o governo não se cansa de repetir, e que o líder parlamentar do PSD sintetizou há meses atrás com uma frase que ficará registada por muitos e bons anos no triste anedotário político nacional: “A vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor”.
A verdade-verdadinha é que a análise que António Costa faz da situação do país é totalmente congruente com a postura de um PS que desde 2011 não tem feito outra coisa que deixar governa um Governo do qual é incapaz de se distanciar nas questões fundamentais e estruturantes da vida da sociedade portuguesa: posição relativamente à União Europeia e ao marco-europeu (também conhecido por “euro”), questão da dívida e do seu pagamento, processo de privatizações, ataque à legislação laboral, ataque ao poder local democrático e à sua organização administrativa, redução das funções sociais do Estado. O que Costa disse foi o que pensa de facto a direcção do PS. Lamento mas não foi um lapsus linguae. Quando muito terá sido um acto falhado. E por isso o país fica assim confrontado, uma vez mais, com a seguinte evidência: o PS não representa qualquer alternativa real à coligação PS/PSD.
Importa por isso não ceder à tentação de debater o acessório porque essa é precisamente a estratégia de quem pretende desviar atenções do essencial. Porque muito mais revelante do que discutir a nacionalidade dos “investidores” que compraram, compram ou comprarão a retalho as mais importantes empresas nacionais é colocar em cima da mesa o próprio tema das privatizações. Ou porque mais importante do que saber a quem prestam vassalagem PS, PSD e CDS é saber por que razão prestam vassalagem (independentemente do “a quem?”) governos e “candidatos a primeiro-ministro”.