Veneno de Ferrão

Nacional

O eurodeputado e candidato à Câmara Municipal de Lisboa, João Ferreira, desafiou a SIC e o seu sub-director, Bernardo Ferrão, a encontrar nos arquivos um pedido de demissão de um ministro por parte do PCP. Foi depois do tom de gozo usado pelo jornalista, no Jornal da Noite da SIC, num comentário ao caso Centeno, ladeado pelo sempre informado, imparcial e isento José Gomes Ferreira, em que afirmava que, noutra altura qualquer, “o PCP já estaria a pedir a demissão do ministro”. A resposta ao desafio de João Ferreira surgiu em forma de vídeo, onde são apontados casos em que o PCP pede não a demissão de um ministro, mas sim de um governo; ou de ministros que integraram governos cuja demissão era exigida pelo PCP.

Ora, se tal confusão seria, talvez, tolerável perante alguém que não possui todas as informações, mais ou menos como os profissionais das caixas de comentários do Facebook, não me parece que o seja quando consideramos alguém com a responsabilidade de Bernardo Ferrão. Ou talvez se explique devido ao sub-acompanhamento das iniciativas do PCP por parte da SIC, fazendo com que não esteja bem por dentro do que é a postura do PCP. Hoje mesmo, quando se discutia a contratação colectiva no parlamento, pudemos ouvir em directo, na SIC Notícias, uma curta passagem de uma intervenção do ministro Vieira da Silva. Mas também, quem quer saber a posição do partido que promove o debate?

São critérios editoriais, claro. Voltando ao vídeo, o jornalista não se coíbe de tecer uma consideração final sobre o que, alegadamente, terá incomodado João Ferreira. Pessoalmente, a menos que seja em espaços devidamente identificados como de opinião, não tenho grande interesse em saber o que pensa Bernardo Ferrão, menos interesse ainda nos seus dotes de adivinho. A resposta da SIC não é bem uma resposta, é, como disse acima, um comentário de Facebook editado em vídeo num canal de televisão, digno de um qualquer cidadão mal informado.

Aliás, o vídeo começa com declarações de vários membros do PCP que exigem a demissão do governo. Seguem-se casos concretos de comentários sobre este ou daquele ministro, cuja demissão é exigida não enquanto indivíduo, mas sim enquanto membro de um governo que deveria, ele próprio, demitir-se. Ou seja, o PCP não pede, de facto, demissões de ministros. Num conceito que possa ser estranho para Bernardo Ferrão, o PCP considera que o problema dos governos são as políticas e não as pessoas. Por exemplo, a demissão de Miguel Relvas em nada melhorou o anterior governo. Como a demissão de Nuno Crato valeria nada no que respeita às políticas levadas a cabo pelo governo PSD/CDS.

Pegando nestes dois casos, aqui ficam alguns esclarecimentos.

Sobre a demissão de Miguel Relvas: “Uma demissão que, para lá das razões invocadas associadas às trapalhadas de natureza pessoal, é sobretudo um profundo golpe num governo desacreditado e sem condições políticas para se manter em funções.Sem desvalorizar a dimensão e significado político desta demissão, o PCP alerta para as manobras que a seu propósito visam separar a pessoa e o ministro, do governo e da sua política, denuncia a operação já em curso para a este propósito procurar iludir as questões cruciais da situação do país e sublinha que a questão decisiva que está colocada é a da demissão urgente do actual governo, a convocação de eleições antecipadas e a rejeição do Pacto de Agressão“.

Sobre a exigência da demissão de Nuno Crato: “O PCP diz que é necessária não só a demissão do ministro da Educação, Nuno Crato, mas também de todo o Executivo que governa contra os portugueses“.

Ferrão sabe que não é a mesma coisa exigir a demissão de um ministro quando a grande exigência é a mudança de governo, como se verifica nos exemplos acima. Talvez o nervosismo e o ar gozão, tanto no comentário no jornal da Noite como no vídeo de resposta, se prendam com os resultados de uma sondagem divulgada hoje pela própria SIC, em que o PSD volta a descer e chega ao ponto mais baixo desde as últimas eleições legislativas. Mas é só uma teoria, claro, que o subdirector da SIC facilmente desmontaria num comentário de Facebook feito em vídeo.