“Voltarei e serei milhões”

Nacional

“- (…) Aqui estava eu e ali estava ele, e de vez em quando eu dizia-lhe: A tua desgraça é a minha fortuna, e ainda que a tua maneira de morrer não seja das mais confortáveis, a maneira como ganho a vida também nada tem de confortável. E ganharei ainda menos se continuares a usar essa linguagem”. Isto não pareceu comovê-lo muito, mas ao cair da noite no segundo dia, ele calou-se para não abrir mais a boca. Sabem qual foi a última coisa que disse?

O quê? – perguntou Cláudia baixinho.”Voltarei e serei milhões”. Só isto. Engraçado, não é?
– O que queria ele dizer? – perguntou Caius curioso.”
excerto de “Spartacus”, de Howard Fast.

Num contexto de recursos limitados as perdas de uns é o ganho de outros. O dinheiro não é queimado, nem triturado: se alguém empobrece, outro alguém enriquece. Os “mercados” não são gente mas têm gente dentro, mesmo quando não lhes conhecemos nem a cara nem o nome.

Em Portugal, país onde o número de pessoas que deixou de ir ao supermercado para passar a recolher alimentos nos caixotes do lixo, “as 25 maiores fortunas do país somam 16,7 mil milhões de euros este ano, o que compara com os 14,4 mil milhões que valiam em 2012“.

Recordo as sábias palavras de São João Crisóstomo [347-407] que a propósito da imensa desigualdade social que então – como hoje – grassava naquele contexto histórico dizia que “o rico ou é ladrão ou é filho de ladrões”. Subscrevo inteiramente esta regra.

O azar dos ricos é que por aí continuam a existir Crixus e Spartacus, líderes da terceira guerra servil contra Roma. Eles estão efectivamente – ainda que por vezes de forma não manifestada – em cada um de nós. E é por isso que grande parte dos 16,7 biliões de euros das suas fortunas são investidos na eleição de quem lhes interessa, na manutenção de jornais deficitários, na promoção da cultura do medo e na disseminação da ideia – errada – da falta de alternativas.

“Quantos pobres são precisos para fazer um rico?”, perguntava Garrett? A questão é interessante mas eu prefiro esta outra: quantos pobres são precisos para acabar com a desigualdade? E a esta respondo: já somos [aliás, sempre fomos] mais do que suficientes.