125 rosa

Nacional

Eu sei que os Trovante se tornaram numa espécie de guilty pleasure de pessoal da minha geração e mais velho, que não há paciência para o Represas, e o cabelo e está gordo e as letras, que agora são pobres, mas, afinal, estamos quase todos como as letras dele. O 125 dos Trovante era azul, mas os que hoje começam a cair nas nossas contas têm tons de rosa. Uma mesada de um mês, que vai dar muito jeito aos cerca de seis milhões de beneficiários, mas que é tão pequena, que roça o insulto. É que a vida, para a esmagadora maioria da maioria esmagada, não acaba em outubro.

Claro que pouca gente nega o jeito que dá ter 125 euros a mais na conta, só quem não precisa deles como de pão para a boca o fará, e até o pão, para a boca de alguns, é já um luxo. Há 4,5 milhões de portugueses que, sem o apoio das prestações sociais, os tais subsidiodependentes, viveriam em situação de pobreza, com 554 euros mensais, dados de 2020. A inflação cavalga nas costas dos mais pobres, que terão um final outubro menos pior do que o início de novembro. Esta coisa de os anos terem 12 meses não é sustentável. Os salários e as pensões não chegam para 12 meses.

125 euros rosa que deveriam e poderiam ser integrados no salário, todos os meses, como uma medida louca de, por exemplo, aumentar o Salário Mínimo Nacional, medida hoje em discussão no Parlamento, por iniciativa do PCP. Sabemos bem que as empresas não aguentam, que há de vir algum CEO XPTO explicar-nos que temos de viver mal, num país em que nem um mercado de trabalho sustentado nos baixos salários salva empregos, como a ADIDAS da Maia deixou claro. A causa da inflação não são os salários, mas são os salários que a pagam.

A maior vitória do sistema é fazer os pobres acreditarem que não são pobres porque há quem seja mais pobre. Depois, fazer acreditar os menos pobres que não são menos pobres, são ricos em lista de espera de uma meritocracia que, de acordo com a amostra, é uma característica hereditária. A seguir, faz acreditar uma parte substancial de pobres, menos pobres e remediados que, se não são mais ricos, a culpa é do Estado, que habilmente se confunde com governo, dos ciganos, dos imigrantes, do RSI, dos funcionários públicos. É o governo, em nome do Estado, que não cobra uma parte dos lucros absurdos que a pandemia e a guerra trouxeram, sem que a UE afrouxe a trela e o PS abane a cauda, é o sistema capitalista de acumulação que deixa o fosso cada vez maior entre produtividade e salários.

Mas, neste mês, teremos 125 euros que devemos gastar com cuidado, disse a senhora do negócio da fome, que os pobres são aqueles estouvados, cheios de luxos, vão ao café e bebem vinho, armados em pessoas com vida para além da sobrevivência. Como se aos pobres não estivesse reservado só o reino dos céus, que, para coisas mais terrenas, deixem-nos estar fechados em casa a esconder a sua pobreza, sem incomodar, sem fazer barulho, longe dos centros turísticos, se faz favor, que temos de atrair nómadas digitais. O sistema é tão bruto, que nos vende a ideia de que há mesmo nómadas que se fixam num determinado lugar.  Atraiamos, então, os nómadas, mas só os digitais, porque os outros, que já nem são nómadas, não interessam. Porque os indígenas precisam muito do turismo, que produzir é coisa do sul do Mundo.

O mercado resolve. Resolve sempre, desde que não seja em favor dos trabalhadores. Reza a lei sagrada da economia que, com escassez, os preços aumentam. Mas, quando há escassez no fator trabalho, ou seja, menos gente a querer sujeitar-se às ofertas que existem, o preço do trabalho – o salário – não aumenta. O governo trata de organizar excursões com os empresários e vão lá fora, ao sul global, buscar trabalhadores que, por viverem ainda pior do que nós, se sujeitam a viver aqui de uma maneira que não queremos para nós. A isto chama-se uma distorção de mercado. Essa coisa que jamais pode acontecer, credo, deus nos livre, de algum dia tabelarmos preços de bens de primeira necessidade. A única coisa que se pode nivelar sem problemas, são os salários. Nivelar por baixo, claro está. Por baixo dos cobertores, que vem aí o inverno e a manta é curta, a menos que, por um mês, se gastem 125 euros a esticá-la com o risco de, no mês que vem, parecer ainda mais curta. Hão de fazer-nos crer que, se a manta é curta, é porque somos demasiado grandes e estamos a viver acima das possibilidades. Metam os 125 euros nos salários.

1 Comment

  • lucia silva

    27 Outubro, 2022 às

    👏👏👏👏💪💪 má nada

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