5 razões para ser leninista em 2014

Teoria

Desde a morte de Engels que o leninismo é a mais radical, coerente e incendiária adenda à doutrina marxista. O contributo de Lenine não foi edificativo para que o operariado assimilasse e aplicasse a obra de Marx, foi também o inspirador da primeira revolução desde a Comuna de 1871 a acabar com o capitalismo e a instaurar o socialismo. Nos nossos dias amargos de miséria, quando os tambores da guerra voltam a ribombar em todos os continentes, cabe aos marxistas e a todos os revolucionários prestar especial atenção aos fundamentos do leninismo. Afinal ele é, comprovadamente, o mais eficaz dos guias para destruir o capitalismo que diariamente destrói a humanidade.

Abaixo, ficam cinco conceitos com que os leninistas continuam a ser, em 2014, os revolucionários mais temidos e malqueridos pela grande burguesia de Kiev a Lisboa.

1 – Imperialismo

Não é imaginável compreender a politica internacional hodierna sem o tratado de Lenine sobre o imperialismo. Já Marx e Engels haviam observado as estratégias empregues pelo capitalismo para compensar a diminuição (tendencial e inevitável) da taxa de lucro, mas Lenine vem descrever hábitos de uma criatura diferente, moribunda e acossada, cuja sobrevivência reclama mais que a destruição sazonal da produção ou o emagrecimento do custo do trabalho pela exploração aditada da mais-valia.

Se a financeirização do capitalismo monopolista é a antecâmara histórica do seu leito de morte, a guerra é a extrema-unção. Alargado à dimensão do globo, o sistema mantém-se pela exportação de capital das cidades-mundo para as periferias, onde monopólios extraem matérias-primas ou se apropriam de percentagens desmesuradas de mais-valia num modelo de exploração colonial. Mas o processo de concentração do mundo capitalista em blocos não pode ser pacífico e a guerra entre as nações surge como a continuação por outros meios da competição política por monopólios comerciais, recursos naturais e posições geo-estratégicas.

Ler “Imperialismo, fase avançada do capitalismo” é folhear o plano hegemónico dos EUA para o “novo século americano”. Explica a relativa calma social dos países nórdicos e assenta como uma luva ao recrudescimento militarista da velha Europa, agora com o florão da União Europeia e de novo sob o timão da Alemanha. O assunto é sério: a Europa belicista que agora renasce é a mesma que se tentou suicidar duas vezes num só século em duas brutais e fratricidas guerras mundiais. É urgente que as organizações revolucionárias se munam da obra de Lenine, ou arriscam-se a acabar como o Partido Social-Democrata Alemão.

Ademais da mais importante actualização à obra de Marx, a teoria leninista sobre imperialismo contraria o pensamento do filósofo alemão num ponto fulcral que a vida verificou: na fase monopolista do capitalismo imperial, a revolução proletária não parte dos pontos nevrálgicos centrais e mais avançados, mas das periferias e semi-periferias para aqueles. Neste sentido, os comunistas devem também conceber a possibilidade da conversão de guerras imperiais em guerras revolucionárias.

Num mundo em que a sanha auto-fágica do imperialismo se debruça tenebrosa sobre a Síria, a líbia, a Venezuela, a Ucrânia, a China, a Colômbia, e mais países do que os que aqui posso nomear, Lenine é o mais competente instrumento teórico para defender a paz. A paz verdadeira: a da justiça e liberdade. Não a dos cemitérios.

2 – Organização

A pergunta que Lenine impõe é “Queremos mesmo mudar o mundo?” Alguns, se fossem honestos, responderiam que não, que apenas ambicionam fazer comichão ou conseguir pequenas concessões. Mas aos que respondem com um sim seguro, Lenine propõe a forma mais prática, rápida e eficaz de o fazer. Não, a máquina que daqui resulta não tem por propósito ser bonita. Não é para isso que ela serve. A organização leninista é uma máquina implacável de transformar o mundo porque nenhum minuto de capitalismo é respirável, humano ou tolerável.

Esta máquina é uma construção altamente profissional e hierarquizada, capaz de dar respostas velozes e flexíveis às necessidades mais prementes da revolução. Isto significa que os militantes abdiquem do seu ego, dos seus caprichos e do seu orgulho quando o colectivo assim o dita. Quando uma decisão é tomada colectivamente, todos os militantes a seguem, concordem ou não. Liberdade total na discussão, unidade total na acção. Uma organização em que os militantes se despedem e formam novos partidos sempre que não estão de acordo com alguma orientação não é um partido revolucionário, é um grémio literário. Estaline uma vez escreveu que importava conciliar o romantismo russo ao pragmatismo norte-americano. O partido leninista de vanguarda é o aço mais sólido que emerge dessa fusão: recruta entre os mais destacados dos trabalhadores que acreditam num mundo melhor, uma equipa permanente e muito preparada. Uma necessidade absoluta à libertação da classe trabalhadora.

A organização leninista, já o dissemos, é uma máquina de guerra entre classes, um tanque que se quer impermeável à infiltração e blindado à repressão. O centralismo democrático é a solução leninista historicamente encontrada para responder estes desafios. Por estas razões, o partido leninista é também uma importante escola de formação revolucionária, que dá à revolução quadros maduros, responsáveis e ideologicamente robustos. A formação superior dos quadros leninistas é o corolário do estilo de trabalho do partido de vanguarda: um partido que se auto-critica frequente e duramente e onde, internamente, cada militante faz desse mecanismo um uso honesto, frontal e desinteressado. A crítica fria, racional e desapaixonada exige uma democracia que a leve a quem de direito e é oxigénio para a organização. Nas palavras de Lenine “Todos os partidos revolucionários que sucumbiram até agora sucumbiram porque tornaram-se arrogantes, não conseguiram ver onde estava a fonte da sua força e temeram discutir as suas debilidades. Mas não vamos sucumbir, porque não temos medo de discutir as nossas debilidades e aprendemos a superá-las”. Mas a democracia interna do partido leninista não é democrática por amor abstracto ao ideal democrático. A sua forma reflecte os seus objectivos: é simplesmente a configuração mais eficiente para levar a classe trabalhadora ao poder. A crítica e a democracia interna efectiva são elas próprias armas de defesa do partido e de combate ao oportunismo. Sobre os oportunistas, Lenine escreve “O oportunista não trai seu partido, não é desleal, não se retira dele. Continua a servi-lo de forma sincera e zelosa. Porém, seu traço típico e característico é que cede ao estado de ânimo do momento, é a sua incapacidade de opor-se ao que está em voga, é a sua miopia e apatia políticas. Oportunismo significa sacrificar os interesses a longo prazo e essenciais do Partido a favor dos seus interesses momentâneos, transitórios, secundários”. Para Lenine, o oportunista é também o quadro que “força as cores da verdade” para “serpenteando como uma cobra, estar sempre de acordo com uns e com outros”.

3 – Táctica

O leninismo é, simultaneamente, inimigo do sectarismo e da espontaneidade como método. O leninismo aceita todas as alianças que sirvam os propósitos da revolução socialista. Em seu tempo, Lenine não hesitou em aceitar alianças circunstanciais com anarquistas, mencheviques e outros esquerdistas. Num momento em que a “unidade de esquerda” gasta litros de tinta nas parangonas dos jornais e na sequência histórica de experiências goradas de governos de “esquerda”, o tema é de especial importância. A política de alianças leninista não se circunscreve à mesquinha discussão de lugares num parlamento ou à conquista estéril de gabinetes ministeriais: uma aliança só faz sentido quando pesar na balança de classe no sentido de a romper, ou seja, numa direcção revolucionária.

A famosa dialética de Lenine entre passos atrás e passos à frente só tem sentido no quadro da percepção materialista da história. Um recuo táctico, como foi o NEP, só deve ser aceite sob a espectativa científica da compensação com um avanço maior ou para evitar o preço de um recuo ainda mias profundo. A cedência gratuita ou a aliança inter-classista despojadas de perspectiva histórica arrastarão sempre a classe operária à desilusão. O leninismo, pelo contrário, oferece a flexibilidade orgânica para o aproveitamento de todas as debilidades do adversário de classe: procura dividi-lo; ataca-o onde está mais débil, forma alianças quando tal é proveitoso e não rejeita por princípio nenhum método de luta, do parlamentarismo burguês à insurreição armada e da luta nos tribunais à guerra de baixa escala. O leninista recusa rejeitar no abstracto a violência como método legítimo de luta política e eleger as eleições burguesas como única forma de tomada do poder. Nas palavras de Lenine: “Somente os canalhas ou os idiotas podem acreditar que o proletariado deve primeiro conquistar a maioria das votações sob o jugo da burguesia, sob o jugo da escravatura assalariada, e que só depois deve conquistar o poder. Isso é como uma estultice ou uma hipocrisia, isto é substituir a luta de classes e a revolução por votações sob o antigo regime, sob o velho poder”

Teoria temperada pelo fogo da prática revolucionária, a táctica leninista respondeu com igual assertividade à questão do foro social das alianças. A flexibilidade leninista não pressupõe apenas a gestão dialética de alianças partidárias, mas a própria aliança táctica com outras classes e grupos sociais que, em determinados momentos partilham com a classe operária alguns interesses revolucionários. Porém, Lenine é claro: “antes de procurar a unidade é preciso delimitar campos” e compreender quem é quem no xadrez da luta de classes. Por essa razão, o Partido leninista é capaz de distinguir a política de alianças da política de unidade: “A unidade é uma grande coisa e uma grande bandeira! Mas a causa dos trabalhadores requer a unidade dos marxistas, não a unidade dos marxistas com os inimigos e falseadores do marxismo”.

4 – Revolução

A crítica leninista ao oportunismo argumenta contra dois vícios da esquerda infantil: o radicalismo burguês de pacotilha, que ignora a realidade e a cada momento se propõe a concretizar o “assalto final“ e, por outro lado, o oportunismo que, sob o disfarce da responsabilidade, cristaliza a acção revolucionária numa temperatura amena, garantindo ao mesmo tempo que a revolução proletária será o desfecho histórico natural da crise final do capitalismo, que em perfeitas condições objectivas e subjectivas conduzirá (suavemente) os comunistas ao poder.

O génio de Lenine radica na capacidade de inventar e materializar condições revolucionárias onde elas não existiam. Quando escreveu as Teses de Abril, deixou quase todo o Partido (e a sua própria mulher) convencido de que havia enlouquecido. O leninista é capaz de identificar “o momento em que tudo parece possível” e arrastar as massas para uma espiral revolucionária que gera e acerba as condições subjectivas, recusando quaisquer autorizações esquemáticas, económicas ou políticas: a teoria da revolução legitima-se pelo seu sucesso prático. Lenine pergunta-se: “debilidade numérica? Mas, desde quando os revolucionários fazem depender a sua linha política de estarem em maioria ou minoria?”

Outra originalidade da estratégia leninista para a revolução socialista é a sua divisão em dois actos. Nos nossos dias, as contradições do capitalismo fazem autênticas valas comuns do foço entre ricos e pobres e até as liberdades democráticas burguesas se recolhem a mínimos das experiências fascistas. O retrocesso civilizacional em curso mostra-nos o lado mais perverso do capitalismo: um sistema louco, disposto a sacrificar o planeta e a vida humana sem pestanejar. E nos nossos dias, como em 1917, há os que ambicionam pôr fim às injustiças económicas do capitalismo mantendo intacto o seu regime político e inviolado o revestimento formal e ideológico da democracia representativa. Após a Revolução de Fevereiro, quando a Rússia conheceu níveis de liberdade únicos até então, muitos revolucionários acharam que a revolução podia operar a transformação infraestrutural da sociedade sem tocar nos órgãos representativos burgueses. Lenine compreendeu a necessidade de uma segunda revolução que tombasse o regime político liberal para impor o socialismo.

Não há uma revolução. Há duas. A dificuldade de assimilar a dialética leninista entre o binómio revolução política / revolução económica ajuda a explicar o falhanço do movimento Occupy, a debilidade da maioria dos partidos revolucionários europeus e até muitos dos solavancos em processos revolucionários em curso, como o venezuelano. A necessária natureza dual da revolução obriga a que as organizações da classe operária trabalhem em prol de ambas, mesmo que as mudanças infraestruturais antecipem as estruturais ou vice-versa, mantendo na luta por uma a perspectiva de cumprir a outra.

5 – Estado

Porventura a maior contribuição teórica de Lenine diz respeito aos moldes do novo Estado operário, na sua forma de gestão dos assuntos públicos e na defesa da integridade de classe que o deve caracterizar. A ditadura democrática do proletariado não é uma contradição: Significa liberdade para quem trabalha e a proibição de viver à custa do trabalho alheio. Enquanto que no capitalismo o Estado é usado pela burguesia como aparelho de gestão dos seus negócios e como instrumento de opressão dos trabalhadores, no socialismo, o Estado ganha o propósito de garantir os direitos do povo e de reprimir a exploração do homem pelo homem. Apesar da carga normativa que pende sobre todo campo lexical de “Ditadura”, negar a validade da expressão é negar a natureza opressora do Estado e escamotear o materialismo a que obedece a história da luta de classes. Nas palavras de Lenine “ou a ditadura (ou seja, o poder férreo) dos latifundiários e dos capitalistas, ou a ditadura da classe operária”. Hoje, mais do que nunca, é fulcral usar uma semântica marxista, real e directa. Para Lenine não só “Pronunciar frases altissonantes é uma propriedade dos intelectuais pequeno-burgueses” como “as massas têm de dizer a verdade amarga com simplicidade, clareza e franqueza”.

O conceito leninista de Estado evolui sobremaneira ao longo da vida do grande revolucionário russo. O Estado Operário idealizado 1917, que toma forma de Tratado em “O Estado e a Revolução”, sonha com o exemplo da Comuna de Paris e propõe-se a alargar o edifício do Estado a dezenas de milhões de trabalhadores, democratizando-o efectivamente e substituindo a pútrida democracia burguesa representativa por um modelo soviético (comunal) necessário a esmagar a resistência burguesa. Mas no calor da guerra civil e perante o terrível atraso económico e cultural de uma Rússia agrária e retrógrada, o sonho de “fazer de cada cozinheira uma ministra” teve que ser adiado. Num dos últimos escritos antes da sua morte, “Mais vale menos mas melhor”, Lenine defende a importância da paciência e temperança perante o medievalismo do espírito russo, advogando o aperfeiçoamento da máquina do Estado reduzindo-o aos funcionários mais honestos e capazes dentro dos mínimos necessários ao cumprimento pleno das suas funções de classe. Lenine foi mais longe e escreveu que já seria muito satisfatório se fosse possível igualar, a curto prazo, a cultura e espírito democrático da Europa ocidental. Neste sentido, o novo Estado operário deve avançar para o socialismo na medida cultural das suas conquistas sociais, criando o homem novo do barro e cofragens que o estado novo constrói.

O estado leninista define-se assim pela sua adaptabilidade às condições nacionais, económicas, culturais e históricas de cada povo. Lenine compreende que a génese dos novos estados socialistas pode escrever-se em tons nacionalistas, em linhas mais ou menos democráticas e com ou sem recurso a retrocessos capitalistas consoante a resistência dos exploradores e as características dos trabalhadores que se libertam. Mais uma vez, o limite da adaptabilidade dos marxistas deve centrar-se no perfil de classe dos actores políticos e na natureza ideológica do programa político, fazendo sempre as perguntas difíceis: quem se quer libertar no Tibete? E no Curdistão? E que classe social dirige a China? Com que objectivos é que Cuba abre alguns sectores da sua economia à iniciativa privada? Que modo de produção planeia o MPLA para Angola?