Decidi há uns tempos, por uma questão higiene mental, deixar de ler algumas pessoas. Não é porque discorde deles. Tenho, felizmente, muitos amigos e autores de quem discordo mas que não deixo de ler. É mesmo porque é uma perda de tempo ler imbecilidades e, ainda mais, discordar delas. O desobrigador arquitecto Saraiva, João Lemos Esteves, Alberto Gonçalves e João Miguel Tavares estão entre os eleitos que optei por não acompanhar, nem para ter o prazer de discordar deles. Mas, como sempre, a excepção que confirma a regra aconteceu hoje, porque me saltou à vista uma declaração do interveniente do Governo sombra, da TSF, e prolixo autor de obras como “A crise explicada às crianças de esquerda” e “A crise explicada às crianças de direita”.
No seu artigo no Público de hoje, João Miguel Tavares disserta sobre os arrufos entre PS e Bloco, depois do desastre que foi o anúncio de uma medida que ainda não existe. Não é aqui que quero centrar-me. O que me saltou à vista foi esta passagem, ainda em torno de uma medida que não existe: “Só que a classe média portuguesa já tem calos nos bolsos, e está habituada a que lhe chamem classe alta há muito tempo. Podemos baptizar este fenómeno de trickle-down taxes: os impostos começam por ser para os 1% do topo e rapidamente descem por aí abaixo quando se percebe que só com esses não se arrecada dinheiro nenhum (é ver o que se amealhou com o 1% de imposto de selo em casas de valor superior a um milhão de euros)“.
Em primeiro lugar #ForaTemer, em segundo se os impostos descessem por aí acima, isso sim, seria digno de registo. Em terceiro, onde estava a preocupação de João Miguel Tavares, quando estava a acontecer o fenómeno que podemos baptizar de trickle-up taxes: os impostos começam por ser para os 99% de baixo e sobem até ao 1% do topo? Não estava. O autor sabe que não precisa de se preocupar com impostos que começam por baixo e vão por aí acima. Os que começam por baixo, ficam por baixo até não haver mais nada para tributar, numa posição do missionário típica de uma sociedade com classes, a de exploradores e explorados. Obviamente, João Miguel Tavares acha normal e justo que a austeridade tenha roubado aos mais pobres 25% do rendimento, mas para os restantes tenha levado 13%. Para o João Miguel Tavares, é normal e justo que Portugal tenha sido o país onde a carga fiscal mais aumentou nos salários mais baixos.
João Miguel Tavares arranca os cabelos porque poderá haver agregados com um rendimento líquido mensal de 8.000 euros que poderão, se assim entenderem, contrair um empréstimo a 40 anos e pagar segunda ou terceira casa de 1.000.000 de euros. Mas alinhou pela linha das inevitabilidades, dos sacrifícios que todos tínhamos de fazer para tirar Portugal da crise. Como provam os dados que têm sido divulgados ao longo da semana, foram os mais pobres que pagaram a crise que o sistema bancário trouxe para a economia.
João Miguel Tavares acha que são estes a classe média. Os que conseguem ter uma segunda ou terceira casa no valor de 1.000.000 de euros. Estamos a falar de 8.618 contribuintes, como foi ontem noticiado pelo DN que, honra lhe seja feita, decidiu fazer jornalismo. E é ele – e outros como ele – que faz opinião neste país à beira-mar desobrigado, em que os explorado sonham um dia vir a ser exploradores e, quando lá chegarem, não querem pagar mais impostos.