A liberdade é uma maluca

Nacional

Confesso que gostava de ser tão cool e fresco que esta polémica com a Associação de Estudantes da FCSH e um grupo de fascistas me passasse ao lado. Que se resolvesse com um post no Facebook ou um tuíte a citar Voltaire – mesmo com uma frase que não é de Voltaire – e à sua defesa do direito de o outro poder manifestar a sua opinião, porque é assim em democracia. Há, no entanto, vários equívocos ao longo de todo este processo, que é só mais um na caminhada lenta mas que segue em passo certo para o branqueamento do que foi o salazarismo, à semelhança do que sucedeu no que respeita ao nazismo e ao fascismo.

Ontem à tarde, por exemplo, num Opinião Pública que a SIC Notícias dedicou ao tema, Teresa Dimas e a sua convidada, Raquel Abecassis, da Rádio Renascença*, tiveram uma alegre conversa sobre os perigos dos radicais de esquerda que haviam proibido uma conferência onde estaria o senhor doutor Jaime Nogueira Pinto, que era muito boa pessoa e até tinha estado na SIC a comentar a eleição de Trump. Sim, porque comentar qualquer coisa na SIC é sinónimo de democracia e seriedade. O descaramento de afrontar o senhor doutor Jaime Nogueira Pinto, de quem Raquel Abecassis é amiga, só porque discorda dele, mesmo sendo ele um salazarista. E queixam-se ainda de uma decisão tomada por 30 alunos, num universo de cinco ou seis mil, como se uma RGA não fosse aberta a quem quer participar. Se só participam 30, isso sim, devia ser preocupante para Raquel Abecassis e Teresa Dimas.

Claro que cancelamentos deste género não são inéditos. No passado mês de Dezembro, estava prevista para a Universidade da Beira Interior uma conferência sobre o Saara Ocidental, organizada por um núcleo de alunos. No entanto, o evento não se realizou devido a pressões da embaixada de Marrocos. Pedro Guedes, presidente da Faculdade, estava mais preocupado com o bom-nome da Faculdade e seria bem pior se o evento se realizasse. Quem não se lembra da enorme polémica que este tema levantou em torno da liberdade de expressão em Portugal e dos direitos políticos em Marrocos? Ninguém. Pois não. Porque não estávamos a falar de alguém com a dimensão de Jaime Nogueira Pinto, que pertence a uma casta dentro das elites académicas e não só, que passaram bem durante o salazarismo e não se dão nada mal em democracia.

Enquadrados que estão os motivos da onda mediática de indignação, vamos ao que se passou na FCSH. A associação neo-fascista Nova Portugalidade pediu à AE para organizar o debate. A AE solicitou autorização à Direção da Faculdade, que reservou um espaço. Quando alguns elementos da AE se apercebem que se trata da Nova Portugalidade, ligada à extrema-direita, é aprovada uma moção, em RGA, para o cancelamento do evento. Num primeiro momento, o director da instituição não acedeu e recusou-se a cancelar, tendo depois voltado atrás por supostos problemas de segurança. Já entre ontem e hoje, a ideia passou a ser o adiamento da iniciativa para algo mais plural.

Sobre a segurança e supostas ameaças, foram reveladas pelo jovem admirador de Salazar, pertencente à Nova Portugalidade. E assumidas como verdade, mesmo que ninguém saiba como nem porquê. Na verdade, o que sucedeu foi que o jovem salazarette estava com medo de alguma coisa e pediu para levar segurança privada. Mas, na verdade, para além da figura, mais ninguém soube de quaisquer ameaças, exceptuando as assumidas pela extrema-direita portuguesa numa publicação do Facebook, onde reconhece que foi fazer uma “visita” – aspas deles – à AEFCSH. Mas isso não dá para a imprensa e rende pouco como notícia.

Já a Associação 25 de Abril decidiu ceder um espaço para a Nova Portugalidade espalhar a ideologia fascista e ouvir Jaime Nogueira Pinto afirmar que Salazar nem foi assim tão mau. E diz muito mais sobre aquilo em que se tornou a A25A do que dos estudantes da FCSH.

Ninguém defende a liberdade de expressão sendo neutro. Atirando com o Voltaire e subindo ao pedestal de suposta da independência e imparcialidade, está a dar-se ainda mais palco do que aquele que já têm, todos os dias, neo-fascistas e salazaristas. Não há neutralidade na defesa da liberdade. Eu caminho ao lado dos alunos da FCSH, que desde o início denunciaram o evento. Mas cada um terá as suas referências.

Pequeno salazarette num momento de oração na campa de Salazar