O crime em directo de Hernâni Carvalho

Nacional

Hernâni Carvalho decidiu, hoje, dar o salto qualitativo e passar directamente do «comentário da criminalidade» à actividade criminal propriamente dita. Em directo, na SIC, o já costumeiro candidato do PSD em várias autarquias, actualmente eleito pelo PSD à Assembleia Municipal de Sintra, apelou publicamente a que se cometam actos de violência contra o suspeito de um crime.

Pouco interessa o facto de o referido indivíduo ser suspeito de um crime horrendo: por isso há leis, tribunais e juízes; ainda menos interessa o facto de o suspeito, como a palavra indica, ainda não ter sido julgado, porque Hernâni Carvalho não é juiz e não pode condenar ninguém a espancamentos, nem torturas. A única coisa que para o caso interessa, é que as declarações de Hernâni Carvalho configuram a definição acabada de instigação pública a um crime:

Código Penal
SECÇÃO II
Dos crimes contra a paz pública

Artigo 297º
Instigação pública a um crime

1 – Quem, em reunião pública, através de meio de comunicação social, por divulgação de escrito ou outro meio de reprodução técnica, provocar ou incitar à prática de um crime determinado é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal,

Embora não pareça, Hernâni Carvalho não estava no café quando explicou como e quando é que os outros presos deviam, pelas próprias mãos, fazer «justiça» hernaniana. Não foi, tão pouco, um incidente isolado que a SIC não pudesse controlar. Não, este crime de instigação pública a um crime é o prato da casa na estação televisiva de Carnaxide. Como em algumas formas de pesca se despejam na água baldes de sangue e entranhas para atrair os peixes, a SIC recorre de forma sistemática e consciente à boçalidade como engodo de audiências sendo frequentes os apelos à violência contra suspeitos, arguidos, condenados e absolvidos. Depois, burlam idosos, incautos e desesperados, convencendo-os a marcar repetidamente um número de telefone de valor acrescentado na esperança «ganhar mil euros». Creio que Hernâni Carvalho nunca terá comentado este crime.

Porque, afinal, Hernâni Carvalho não tem de ser juiz para julgar, não precisa de provas para condenar nem precisa de noção para falar, porque, desde que só apele à violência contra os pobres diabos que não têm onde cair mortos, sejam maus ou bons, inocentes ou culpados, nada lhe acontecerá. Mas imaginem agora o que aconteceria se Hernâni Carvalho julgasse assim, sumariamente, em directo na televisão, um seu correlegionário do PSD proprietário de seis ou sete empresas e com boas ligações aqui e ali? Curiosamente, Hernâni Carvalho nunca apelou publicamente à violência contra os grandes traficantes de droga, nunca instigou espancamentos contra os poderosos suspeitos de crimes de pedofilia; nunca pediu autos-de-fé contra banqueiros ladrões; nunca exigiu o sangue dos milionários que fogem com salários, assediam trabalhadoras, recorrem a trabalho escravo ou matam mulheres.

Porque toda a justiça é de classe, é tão provável que isso aconteça como ver Hernâni Carvalho a comentar o crime que ele próprio hoje cometeu, abdicando coerentemente da presunção de inocência e ingressando voluntariamente no estabelecimento prisional da sua área de residência.