A lixívia dá cabo das mãos, greve!

Nacional

A lixívia dá cabo das mãos. Mas ela não gosta de luvas. Nunca se ajeitou. Foi para ali faz agora 27 anos, limpar o que os outros sujam, mas sempre é melhor que o barulho da fábrica. Trabalhar para o estado era coisa boa, diziam-lhe. Entrar às 6h da manhã nos invernos gelados custava, mas não era o barulho e o pó da fábrica. Tinha a ADSE e bem jeito lhe deu para arranjar os dentes, comprar óculos para ela e os filhos, está desconfiada que se não fosse isso andava pra aí como outras, sem dinheiro para os arranjar, raparigas novas com a boca desfeita, que isto mexe com a cabeça das pessoas. Uma vida inteira a trabalhar para o estado e sempre a ganhar uma miséria. Quase com a idade da reforma e nem 650€ leva para casa. E quem hoje entra ganha o mesmo, que é pouco para todos.

E tantas vezes os senhores na televisão a acharem que as greves não resolvem nada, e ela a perder um dia de salário, que bem jeito lhe davam os 23€ ao fim do mês. Se ganhasse o que eles ganham, e eles ganhassem o que ela ganha… Mas as horas era a mesma conversa, agora não há nada a fazer, está perdido para todo o sempre, é 40 é 40. E bem sabe ela o que teve que lutar para ter hoje outra vez as 35, ganhas lá atrás em 1998. Assistente operacional, mas ela assiste a alguma coisa? Farta-se é de operacionar. Uma vida inteira de trabalho a ganhar pouco mais que o salário mínimo, 11 anos sem aumentos, só os do custo de vida.

E gente formada é o mesmo. Três décadas de trabalho em cima e pouco mais de 1200€, sábados e domingos, a sair tarde e a más horas, gente que trabalha em museus, teatros e afins. Enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica, médicos, auxiliares de ação médica, é ter o azar de ir ao hospital e olhar para eles, cansaço que escorre no corpo. Nas escolas é igual, pau para toda a obra, resultados para as estatísticas do EUROSTAT mas respeito, valorização e condições de trabalho está quieto, que os bons exemplos ficam com eles. Na segurança social, finanças, registos e notariados, tribunais, é mais do mesmo, anos e anos de trabalho especializado, indispensáveis às funções sociais do estado mas aumento de salário e carreiras valorizadas, nada.

Trabalhar para o estado era coisa boa, diziam-lhe. Não queira meter-se no autocarro e vir lutar e está bem visto que qualquer dia é só precariedade e empresas a tomar conta dos serviços todos não é já assim com a vigilância, limpeza e cantinas. Ainda menos direitos e salário, lucros para os do costume é que não vai faltando.E excedente orçamental também diz que é histórico. Histórico é sobreviver nestas condições e continuar a lutar, com sindicatos de classe que não se vendem. Hoje é dia de greve.

4 Comments

  • Unknown

    2 Fevereiro, 2020 às

    O texto, como sempre, está excelente. Era bom que todos soubessem lutar, mesmo que seja com palavras, como a Rita. Um beijinho muito grande (já não é um beijinho) para a Rita Rato.

    • Francisco

      9 Setembro, 2020 às

      Verdade, Grande texto!

  • Jose

    1 Fevereiro, 2020 às

    É fado, é alma pungente..e sempre 'os lucros para os do costume', o alívio de encontrar os culpados do costume!

    • Nunes

      1 Fevereiro, 2020 às

      Zé Palhaço!

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